Miloca

 

Alertada há dois meses por um internauta aqui do bairro, Miloca somente ontem veio fazer uma visita a este galhodearruda.com e leu minha crônica "Sobre madrugadores e minhocas", onde aparece vendendo sensualidade e fechando mais comércio do que traficante de drogas.

Leu e não gostou.

Como temos a mesma idade — e ela orgulha-se bastante, disse-me ao telefone, dos cinqüenta e nove anos que completou no último 24 de maio —, ficou uma fera ao ver-se retratada nos dias de hoje com os atributos físicos de três décadas atrás, quando, de fato, trabalhava na Ilha do Governador (como balconista de uma velha farmácia no Guarabu, não no Tom Jobim, que acabava de ser inaugurado) e pegava o Marechal Hermes—Castelo próximo à estação de trem, já que o ponto de ônibus mencionado por mim, defronte à nossa igreja católica, é coisa recentíssima.

"E que história é essa de rua Gravatá e balanço cabinda?", tornou a gritar, mas aquele grito de geminiana de primeiro decanato que está doida para explodir numa gargalhada. "Sou muito nagô, meu filho. Além disso, desde o ginásio você está careca de saber que moro na rua Costa Filho, nos apartamentos."

Miloca lembrou bem. Fizemos o ginásio juntos no José Accioli. Nos anos 1960 foi parceirinha de sala de aula do futuro cronista, do qual colava descaradamente nas provas de língua portuguesa, pagando a chupação intelectual com seus préstimos em matemática. Ela tinha dificuldade também no que os professores da época chamavam de rudimentos de literatura, o que talvez explique não haver entendido satisfatoriamente o meu recurso ao anacronismo ou anticronismo naquele texto. Os demais equívocos que você aponta, doce amiga, não contam, pois sem os acréscimos desta quase-palinódia eu poderia muito bem estar falando de outra Miloca, sua convencida.

Ficamos assim. Já que moramos tão perto um do outro, o melhor é resolver a questão pessoalmente. E aproveitar para sugerir-lhe a leitura de A Cartuxa de Parma, romance em que o insuperável Stendhal deita e rola com o uso do anticronismo. É verdade que andou levando uns tapas da belíssima Clémentine Curial por causa disso, mas Miloca é outro assunto, não creio que faça o mesmo comigo.

[9.8.2007]