Assim ou...nem tanto.91
Mãe
Olho-te. A mesma expressão de antes quando o amor se misturava com algo mais que me travava o impulso de correr para ti e abraçar-te. Amava-te como se fosses uma ilha a que eu aportava para estar mais perto sem, no entanto, te sentir íntima. Quando os filhos estão longe como eu, voltam baralhados a uma casa que sendo a sua lhe é estranha. Fui e voltei algumas vezes e fui crescendo entre o rigor dos tios e a tua liberdade. Sabiamente acreditavas que os problemas sozinhos se resolviam e os que precisavam das tuas decisões acabavam em lugares comuns da vida morna e quieta de então. E agora, à tua frente todos os dias, vejo-te a tapar a outra que foi nova, forte e linda. Que foi a heroína de todos os filhos e a mulher a quem o meu Pai dizia amar todos os dias. Olho-te mais e melhor, pego-te nas mãos, faço perguntas, respondo a muitas que repetes e corto a tua vontade de voltar ao tempo em que, desejando ficar, tiveste de abandonar a terra apenas com a carga de coragem que nunca te faltou. Corto as tuas lágrimas sem, no entanto, deixar de te admirar a força e o percurso, as dores e o carinho com que ainda apoias a família. O que perdeste foi mais a vida intensa de antes para ganhar aquela que te ofereciam aqui. Ainda te vi a correr, a lutar, a inventar como sempre fizeste. E agora, Mãe, rendando tuas rendas, voltando ao passado que vais colorindo de sonho e perplexidade, ainda esperas que seja eu a dizer o que seria bom fazer, pensar, decidir. Acreditas que eu sei mais e posso tudo e não percebes que de minha Mãe vais ficando minha filha e que, assim, me forças a decidir até as coisas que nos magoam. Em ti vejo a que foste, década a década, até chegar aos 92 anos que cumpres hoje. Amo-te.