A Casca
Final de tarde! Antes do último suspiro do dia, o sol vai se agasalhando nos braços do Velho Monge. A natureza com seu rubor constante e sua face em brasa: sinal de inconformismo com atitudes dos homens. O boteco apinhado de gente; gente alcunhada pela sociedade politicamente correta de “Porta-Peidos”. Nas mesas, mulheres fáceis, fartas de dores... Corpos dopados pelo ópio da sobrevivência. Já não sentem dor, já não lhes importa o gozo; apenas sobreviver por sobreviver até novamente o sol nascer.
- Mulher de hoje, meu amigo, é como banana; a gente come o miolo e joga a casca fora. - Palavreado arrastado, cópia da rústica fala proliferada através da mídia de cultura evasiva.
Nas palavras do bêbado, filosofia popular analisando a vida de lado, querendo aprovação de todos os presentes; olhar “travado” pelo álcool atrás de cúmplices na sua mágoa alcoolizada. Situação igual a de muitos: depois de se tornarem "córneos", refugiam-se nos guetos de prostituição.
No interior do bar, o ar sempre inebriado com odor humano, homens comuns exalando miséria enquanto os ditos de bem e politicamente corretos congratulam-se nos ambientes refrigerados da hipocrisia social dos Shoppings Centers; todos alheios às angústias dos guetos.
"Votem em mim! Prometo reformar a praça das putas, a rua dos cabarés..." Brinco com o pensamento enquanto me questiono: que tal na próxima campanha política essa frase de efeito? Mas quem é louco para desejar ser tachado de: Candidato dos Puteiros!?
O pensamento de volta a banana. Revejo mãos deslizando entre pernas, pernas de louras oxigenadas, de morenas desbotadas, mescladas... Pinturas promíscuas para os conquistadores de corpo. Meu pensamento foge do recinto, busca mulheres de uma outra história e longe ouço cantos que abrandam almas. Pouco a pouco, versos transpiram no copo em frente e relembro a poesia de uma mulher além-mar: ”...Paraísos proibidos, / Contentamentos injustos, / Feliz adversidade, / Amores são passos perdidos...”
A noite chega dispensando a casca do dia. Hora de ir; ruas para outras dores. Levo do bar, nesga de desejos promíscuos, minha discordância contraída na filosofia etílica: “A mulher e sua casca dispensada!”
No caminho, sento-me no banco da praça das puta e procuro relembrar fragmentos de vida indispensáveis, revejo verdadeiros amores passados... A mulher amada, centro de atenções: o enigmático canto da sedução dos últimos cavaleiros armados com rosas, o momento sublime da conquista... Homem e mulher; sem desprezo com a casca!
Em um outro banco, quase à minha frente, a visão do casal de estudantes em frenesi começa a deturpar meus pensamentos. Pernas frontais, entrelaçadas, mãos sôfregas, rebolados disfarçados... Gemidos de gozo! O momento agoniado da tara juvenil que não tarda a ir... Já foi! Depois da “rapidinha”, hora de cuidar da compostura: ela ajustando o “short pirigueti” enquanto caminha; ele, já longe, todo embaralhado na braguilha ainda aberta.
- Espere moça, você esqueceu a... - A palavra seguinte não saiu. Lembrei-me da frase do bêbado e tasquei o eufemismo salvador -... você esqueceu a casca, moça!
- Se manca, coroa! - Um corte seco no meu ar de boas maneiras.
Tudo bem, deixemos para lá! Afinal, queria apenas mostrar a calcinha que ela havia esquecido sobre o banco.