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UM DESAFIO DE RUA 
 
Quando eu estava ainda vivendo os momentos históricos do Scaramouche lutador, costumava passear na nossa praia de Ipanema em Porto Alegre onde era o lugar das paqueras da nossa juventude. Ao passar caminhando em frente a um restaurante, onde a maioria dos frequentadores ali se aglomerava para a costumeira paquera, - como eu era conhecido pelas atuações nas lutas - alguns até me cumprimentavam junto àquela multidão de jovens.
Eu estava sozinho e olhei para dentro do bar onde estavam sentados dois casais, e é claro que olhei para eles e também para as suas mulheres, mas de uma forma discreta, pois eu deveria ter uma linha, para preservar o meu nome.
Mas um dos frequentadores que estava com a sua mulher olhou-me de uma madeira desafiadora e com uma cara de bravo que a gente só via em filmes provenientes dos bandidos. E é claro que eu também olhei para ele, mas mantive a minha discrição, e fiquei quieto, pois acredito que ele então sabia que eu era o Scaramouche, e com certeza iria só dar uma encarada de macho para mostrar serviço a sua amada e deixar por isso mesmo. Só queria me dar um sustinho.  
Era o que pensei, mas me enganei. O cara falou sem se levantar que eu não deveria só por ser o Scaramouche querer ficar paquerando a sua mulher - nessas alturas para os menos desavisados frequentadores, eu estava totalmente identificado como o Scaramouche lutador.
Pensei com os meus botões: acho que isso não vai dar certo, mas vou fazer que não fosse comigo. E continuava quieto, e olhando para outro lado, para dar uma disfarçada - às vezes funciona – mas não funcionou. O cara se levantou e continuou a dirigir-me palavras ofensivas: tu pensas que por ser o Scaramouche, que fazes aquelas lutas de mentirinha, mas comigo a coisa é diferente, aqui o pau vai quebrar. E eu quieto, sem falar, mas continuava a pensar comigo mesmo: esse cara não deve saber que nós lutadores cênicos procedemos de outras lutas, e está se enganando consigo mesmo. Ou ele era um lutador, desses bons, que vive desconhecido, e estava buscando uma forma de autopromover.
E lá veio com mais ofensas, e o meu nome ficou mais conhecido junto àquela multidão de frequentadores do que numa cena do Ringue-doze. Então eu comecei a falar com o intuito de assustá-lo, mas sem a intenção de brigar, com palavras também ofensivas, e a coisa se tornou numa grande discussão com previsão de fim trágico. A multidão começou a ficar preocupada, uns já tinham abandonado seus lugares, mas a massa maior de público estava atenta e em silêncio, e só nós dois irritados discutindo.
Então o meu irritado desafeto pegou a sua cadeira, levantou-a e me chamou para briga, “venha e mostre o seu lado machão, que eu estou te esperando”, disse com a cadeira nas mãos.
Eu não me intimidei e saí do lugar que eu estava junto à calçada e com vontade para encarar aquele agressivo de palavras. Cada vez eu ia diminuindo mais a nossa distância, até chegar ao alcance de iniciarmos a nossa grande disputa, ele com a cadeira e eu com próprios punhos, numa cena quase que de filme. Os frequentadores abriram caminho, uns se esconderam, outros tomaram uma distância mais segura, e deixou um grande espaço para aquele grande show de brigadores de rua.  
Quando eu cheguei próximo à distância do corpo a corpo, ele, o meu desafeto e grande brigador com a cadeira nas mãos, disse, abraçando-me, que queria era só me dar um grande abraço de amigo e assim fiz todo o circo para tornar um encontro diferente. E conseguiu! Trocamos aquele grande abraço no lugar da briga e convidou-me para sentar-me junto a sua mesa.
E a turma toda, só teve que voltar dos seus esconderijos e cair naquelas risadas. Claro que o meu amigo Benito Gantes, foi um colega de trabalho, e se prestava como um ator quando queria fazer o seu espetáculo. Não foi nada combinado, mas eu entrei no seu clima, pois nós também formamos os artistas do ringue. Quem estava lá no extinto bar Taba de Ipanema, tiveram um show improvisado com dois artistas da vida. 
Scaramouche
Enviado por Scaramouche em 10/05/2017
Reeditado em 17/11/2020
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