A Hora de Clarice

 

 

            Existem alguns livros que eu gostaria de ter escrito. Muitos eu gosto de ler e encontram-se dentre os meus favoritos, mas que não cabem naquela afirmação que nós escritores às vezes, em nossos devaneios íntimos, acabamos proferindo: eu gostaria de ter escrito isso.

 

            Geralmente gosto muito do escrevo e chego a publicar. São incontáveis os parágrafos que cheguei a iniciar e não concluí. Nada salva um texto ruim. Machado de Assis tão bem escreveu que a emenda saiu pior do que o soneto. Não tento mais salvar meus textos fracos. Deixo que se afoguem, como filhos aleijões de uma tribo bárbara. Hoje, graças à tecnologia, nos momentos de fúria em que descubro que após duas, três ou até quatro horas o texto não me agradou, eu o envio para a lixeira do computador.

 

            A tecnologia realmente salvou muitos escritores de acumular pilhas de papel inútil dentro de casa. De igual forma libertamos milhões de árvores do purgatório de se transformarem em literatura de péssima qualidade. Bendita seja a tecla “delete” que eu elegeria como uma das 7 Maravilhas da Ciência.

 

            A obra que eu, dentro de minha pequenez, gostaria de ter gerado chama-se “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector. A autora faleceu em um 9 de dezembro do ano de 1977. Naquela época eu me preocupava com a Copa do Mundo do próximo ano e suava em sair bem nas lições de inglês, embora já demonstrasse certo gosto pela literatura. Não sabia da existência de Clarice Lispector.

 

            Gostaria de ter conhecido pessoalmente a grande dama, conversado a respeito de seu universo intimista e pedido conselhos, muitos conselhos. Não posso alardear ser seu contemporâneo, visto termos nos encontrado, em termos cronológicos, por curtos rasgos de tempo.

 

            A obra de Clarice conseguiu o feito que todo o autor que se preza deve almejar: estabelecer-se como referência para várias gerações. Ela expôs a sua alma, seus mais íntimos sentimentos, e, ao mesmo tempo, manteve intacta a sua dignidade como pessoa humana.

 

            Quem não torceu por Macabéia e o seu famigerado romance com o operário metido a metalúrgico Olímpico de Jesus? Não sou de lágrimas vertidas facilmente e nem fadado a cometer retóricas piegas. Procuro isentar-me e tornar-me um cronista crítico, irônico e impassível a respeito da realidade que todos vivemos.

 

            Mas é impossível manter-se distante do universo que Clarice construiu em seu romance. São poucas páginas escritas no ocaso de sua existência. O câncer já a carregava para a eternidade, mas ela conseguiu isentar-se de tudo isso e, no mais extremo dos seus momentos, legou para a humanidade uma pérola de indizível beleza.

 

            Macabéia faleceu diante de uma multidão que se formou aos poucos, virou no momento derradeiro uma estrela, que encontrou sua hora. Quanto a Clarice, ela é uma estrela a brilhar fulgurante no firmamento dos grandes nomes da literatura. Imortal, como imortais devem ser os que se prontificam a viver pelo que amam. Obrigado Clarice.