UM RESUMO DE UMA VIDA...A MINHA
 
 
 AOS 76 anos, eu improvisei um conto sobre uma vida, a minha. Inspirado em “Episódios da Vida”. Eu me considero um episódio da vida, apesar de eu ser “humano”, mas a vida demonstrou-me nessa vivência de 76 anos, ser eu apenas mais um episódio, ou uma ocorrência da vida.
Se eu não pensasse eu seria um animal, não sei se seria melhor, ou não – acho que melhor – talvez. Cheguei a pensar em não pensar e somente viver, talvez assim eu não visse o lado mal que muitos humanos estão seguindo, mas também não veria as maravilhas que estão espalhadas pelo mundo, e são elas que me comovem e as vejo com olhos mais abertos, e com mais fixação, se eu olhasse somente para este lado: que lindo seria o mundo. Mas quando dou uma espiada no lado ruim, isso me aborrece.
Mas dando início de um conto sobre uma vida, a minha, e que reflete uma trajetória, de um grande caminho percorrido em todas essas décadas, eu poderia iniciar de alguma forma – talvez dessa forma.
Depois de ter nascido, e começado o meu desbravamento do pouco mundo que eu começava a conhecer e às vezes achava que ele o mundo não era tão grande assim e eu pensava que aquele pedaço onde morava, era o mundo como um todo, mas naquele pedaço que eu conhecia, quando brincava de me esconder, de pegar e de fazer as minhas artes numa vida de criança que iniciou as suas andanças, morando “para fora”, cercado de mato, onde eu conhecia cada galho das arvores em volta da nossa casa, pois ali eu vivia empoleirado para brincar de Tarzan, me sentir o guri das árvores, ou para apanhar alguma fruta sem deixar o meu fiel companheiro que era o meu cãozinho chamado Pitico.
Era uma vida de criança bem merecida e bem vivida, mas às vezes a minha mãe se lamentava de eu ser um menino fraco, muito fraco, que cheguei a ser uma cria que sem promessas de vida longa.
Vivi numa época, longe da cidade onde o nosso meio de transporte era de uma forma bípede, cavalo ou de carroça. Eu ainda me lembro, quando aparecia um carro, que era para mim, como se fosse um tipo de monstro mecânico, mas acabei me acostumando, e vendo que o mundo não era só de carroças, tinha algo mais que existia na cidade e que eu desconhecia, mas eu era feliz em morar “para fora” e hoje com o avanço das cidades, e continuo a pensar assim, querendo morar para fora.
Nessas recordações antigas, eu me via morando numa casa de madeira próximo a uma olaria onde minha família trabalhava e no outro extremo mais uma casa também de madeira, com moradores também oleiros. Via-me também indo para uma escola, com uma bolsa – feita pela minha mãe que eu usava a tiracolo, levando meus pertences atravessando mato, riachos, andando pelo campo, até atingir uma pequena casinha de madeira, e era ali, o colégio, onde eu fazia parte, uma parte que ainda não tinha idade para estudar, mas sim para fazer número suficiente para que a professora pudesse – ser professora. Mas o colégio ainda precisava ter um fiscal de aula, para o qual meu pai apenas alfabetizado, foi nomeado para esta importante tarefa – eu poderia chamar de um colégio de apenas uma aula, no mato.
Depois de ganhar mais alguns anos saí do mato e fui morar na cidade de Carazinho/RS e posteriormente em Passo Fundo/RS. Já tinha desacostumado com as carroças e ganhado mais intimidades com os poucos automóveis que se misturavam com as carroças, e com a humanidade em ascensão.
Mas eu continuava desafiando o mundo apesar das ameaças negativas dos médicos - teimando em continuar vivo, pois eu e a vida também queríamos. 


Na pré-adolescência escondia-me no meu quarto, das meninas que queriam me namorar, e depois eu ficava correndo atrás das meninas que se escondiam de mim e que eu queria namorar. Já amei, mas teve algumas pessoas que eu amava, mas nunca ficaram sabendo, mas já fui amado, por pessoas que fiquei sabendo mais tarde. Já amei, sem saber o que era amor, já gostei, e deixei de gostar, ou às vezes me enganava. Já gostaram de mim, e também deixaram de gostar – loucuras do não saber o que queria, e nessas loucuras, tive uma filha quando solteiro. Foi a minha primeira estrela para enfeitar o meu mundo.
Já fui decepcionado e também decepcionei. Coisas da vida. Afinal o que é gostar o que é o amor, talvez a gente nunca fique sabendo com certeza, ou às vezes sabe, e às vezes pensa que sabe, mas eu fiquei sabendo quando encontrei a minha esposa porque é com ela que eu estou por mais de 40 anos e continuo querendo estar – e acho que estar, é o amor ou algo maior do que isso e se não é - para mim é - e cada um faz na sua forma de amor, a sua fórmula. Eu fiz a minha – é o querer estar. Deste amor adveio a vinda de mais duas filhas para compor a minha constelação de estrelas.
Eu sempre tive medo do escuro, quando me encontrava sozinho e a noite me perturbava, mas depois de passar por uma prova de um AVC aos 67 anos, comecei a ser perseguido com pesadelos, e muitas vezes dormindo e sendo molestado por um pesadelo, quando eu, no sonho, gritava pela minha mãe falecida e quando ela não aparecia, o meu pesadelo se tornava, mais assombrador - Mas continuo até hoje aos 77 anos com esses terríveis pesadelos e sou acordado pela minha mulher - São coisas da mente, que me persegue e que eu convivo, tenho que conviver. Quem sabe algum dia eles, os pesadelos acabem cansando de me atormentar – estou apostando nisso.
Quando jovem tive as minhas vaidades, pois tem um período que a gente quer ser o mais bonito, e eu ficava olhando-me com atenção no espelho. Fiz até uma plástica no nariz e depois a desfiz, sim a desfiz, pois até a vaidade vai algum dia, embora e hoje, eu continuo me vendo no espelho, mas é para apreciar como é bom ter as marcas e o orgulho da senilidade responsável pelos meus cabelos ficarem prateados. É bom porque eu sinto a vida se prolongando e me ensinando que agora estou com menos vidas no meu viver, mas as mais importantes.
Lesionei-me lutando, fazendo artes, mas já fiquei doente por ficar, depois melhorei, porque não tive a doença mais terrível que é estar de mal consigo mesmo e nem de mal com o mundo - sempre queria ficar bom, e ficava. Voltava a ser eu, depois de passar por um período transitório de estar doente.
Permanecia às vezes sentado sozinho olhando, as coisas e às vezes olhando para o infinito sem enxergar nada, mas às vezes mesmo eu estando com meu olhar fixo na distância, eu conseguia enxergar algo dentro de mim e ficava pensando quem eu era, e o que era o mundo, e eu saia sem descobrir, mas chegava à conclusão de que eu estava vivo e deveria continuar vivendo, pois sentia que o sentido da vida era viver – nada mais do que viver. Saber o que é viver a gente descobre com o tempo, e eu consegui, pelo menos até a faixa dos 77 anos, descobrir uma parte.

 
Ja usei de mentiras, e me arrependi, mas teve vezes que eu mentia para alegrar alguém, mas já ouvi mentiras e fingia que acreditava, para não magoar alguém - aquele que mentiu. Tive as minhas dúvidas, mas quem não as tem. Cometi os meus erros, e quem não os comete. São partes da vida que nos ensina os meios de controlá-las.
Tive os meus anos de estudo, mas resolvi parar, pois sempre eu estava pensando em coisas que eu queria fazer enquanto estudava, se fiz bem, não sei, mas fiz, e também fiz muitas outras coisas. Toquei acordeão, e outros instrumentos de percussão - não queria ser músico, já que eu não fui dotado por esta vocação, mas apenas queria tocar, e toquei. Mas foi o namoro mais apaixonante, em termos de tocar algo, foi com a flauta pelo seu som que sempre me cativou e mantemos um romance por um longo tempo e por isso que ela, a flauta, continua me acompanhando e toco as minhas canções para manter a vida no seu ritmo e com harmonia, que ela precisa.
Já chorei sem razões, mas já chorei por que tinha razão. Ri bem mais do que chorei, pois a vida para mim, sempre sorriu, e eu não poderia decepcioná-la. Muitas vezes deixei de reclamar, coisas que eu supunha que estavam erradas, mas já reclamei de coisas sem razões. Concordei sem ter que concordar, para agradar os outros, mas não a mim. Participei sem querer participar, também para agradar alguém, e talvez um pouco a mim. Falei coisas com o intuito de magoar, mas quem ficou magoado fui eu.
Já calei quando eu deveria me pronunciar e gritar alto para que todos ouvissem. Já contei piadas sem graça, por não saber contar, mas as pessoas riram sem achar graça, para me agradar. Descobri que alguém gostava de mim.
Sonhei demais, já tive sonhos materiais realizados, mas eles não me realizaram como pessoa. Apenas adquiri coisa, que foram boas, um pouco aparentes, um engano, mas que aumentou mais as minhas ilusões do querer, querendo me corromper, e me esconder dos verdadeiros valores da filosofia e da felicidade. Não me tornei mais feliz pelas conquistas materiais, pois eu já era feliz.
Mas hoje sonho naquilo que me dá prazer, como pessoa, sonhos tangíveis, mais humanos que transforma utopia em realidade em viver de entender - como é uma vida real, sem fantasias, sem querer comprá-las – como é a minha vida desfrutada num centro naturista, com meus amigos, onde toco a minha flauta, lá na mata, onde aprendi a viver com meus semelhantes, mais puros e menos puros, num aprendizado de entendimento humano, e mais humano – e também com os animais que lá já habitavam antes da minha chegada.
Ando de forma bípede, mas também de bicicleta, de lambreta, de bonde e de carro, mas o que mais me atraiu foram as motocicletas, e com elas risquei muitos caminhos por mais de 50 anos, de forma ordeira e sortudo, sem marcas no corpo, e as  únicas marcas que tenho na mente, são as quilometragens percorridas em busca do rumo da humanidade ou busca de algo que encontrei ou ainda continuo a procurar, mas foi muito bom – vivi.
As estradas eram tão belas que ao usufruí-las eu não dava tanta importância para o destino, mas eu tinha um destino e dúvidas onde eu deveria dobrar, ou seguir. Mas ia, de vagar, sem pressa, e parava quando tinha que parar, para depois quando partir e sentir novamente o ronco do motor, e a alegria do seguir, e deixar para traz os caminhos, marcados pelos desenhos dos pneus, e pela saudade do que ficou. E sempre fica.
Já pisei em outras terras, até fora da minha, mas sem necessidades, sem precisar, talvez por curiosidade e até por aprender que a minha, a nossa terra, é a melhor das paragens, pois aqui nascemos, e é daqui que eu gosto e amar a terra natal, e um amor de origem, e as viagens nos dão esta certeza- é daqui que gosto mais, e aqui que fiquei.
 Já cai muitas vezes, tanto como lutador, de moto ou na vida, achando que às vezes eu não iria me levantar, mas era só um momento, depois sempre me reerguia, e achava que não cairia mais, mas foi um engano. A gente sempre cai, e deve estar pronto para se levantar, e assim eu estarei.
Sempre procurei ser amigo, mas às vezes ficava na dúvida se o meu amigo merecia ou se eu merecia a sua amizade, mas hoje com o passar dos anos, eu acredito muito nas amizades, e sou amigo dos meus amigos, mas não me façam acreditar em coisas que eu não acredito e não me convidem para ser igual, ou gostar das mesmas coisas que vocês gostam, pois sou um ser humano e sou diferente de vocês, que também são diferentes de mim. Gosto de coisas que outros não gostam, mas gosto de vocês meus amigos como são e não pelo que têm, portanto goste de mim como eu sou pelo que tenho e o que não tenho. Não gosto de mentiras, nem das minhas. Sou o que sou, mas não serei o mesmo para sempre, pois tenho as minhas mutações.
Trabalhei muito para ganhar dinheiro, o dinheiro era bom, pois a vida exigia isso e ganhar bem era importante, mas o “muito” trabalho não era e fiquei doente. Não gostei, pois já havia nascido doente e estava reabilitado - me demiti para lutar em outras paragens, fora do Brasil e descobri que o importante era o que o meu trabalho poderia me tornar, e não o dinheiro proveniente.
Descobri a felicidade, com um novo trabalho que eu escolhi, e fui escolhido por ele percorrendo por caminhos que me trouxeram prosperidade pessoal, distribuídas aos meus semelhantes – um compartilhamento com eles, uma prosperidade em conjunto.
Fiz uma amizade com o pseudônimo “SCARAMOUCHE” – um lutador, que era o meu outro eu. E foi ele o meu outro eu que me aconselhou a trabalhar como técnico esportivo, onde me especializei com cursos técnicos ministrando aulas de lutas me realizando por formar alunos para competir com sigo mesmo, para a vida, continuando  a importância naquilo que é feito para nos tornar admirável para o crescimento. Chegou a ser uma profissão, mas não um trabalho. 

 
Compartilhei a minha antiga amizade do SCARAMOUCHE, por mais outro eu que era um escultor onde ele, que era ‘”EU” pode mostrar a transformação de algo em outro algo - chamado de escultura. Descobri de uma forma anímica, uma espécie de quase dom, latente, que iniciou sua manifestação quando eu ainda era uma criança que ficava amassando e olhando as transformações do barro de olaria em algo que eu tentava adivinhar a sua forma realmente abstrata por natureza, porque nasceu assim e não pelo efeito. Uma obra feita por uma criança que ainda não sabia o que era algo abstrato, mas acho que tinham formas de animais, ou parecidos, pois eu convivia com eles - os animais.
Mas logo depois este quase dom que antes não era latente, era o início, que se escondeu, por um longo tempo, porque assim a vida quis. E se eu quero a vida, devo segui-la, da forma que ela se apresenta, como ela quer. E ainda a estou seguindo. E ela, a vida continua querendo.
Depois de todas as conquistas como atleta e como escultor, de prêmios merecidos e de derrotas também merecidas que eu aprendi mais com elas do que com os prêmios conquistados, que marcaram épocas que ficarão na história que de alguma forma para quem viram ou souberam, mas que com o tempo essas mesmas pessoas assim como eu, se despedirão do mundo, e ficará somente uma história existida e finalmente virarão lendas, ou morrerão quem sabe.

Se eu não tivesse existido, as minhas histórias também não teriam existido, pois cada pessoa pertence a sua história, e é ligada a ela, então eu que sou ligado a minha, pensei... pensei, e falei para mim mesmo, já que contar para os outros, eu não sei, então vou escrever a minha história que eu sei. Esta é uma parte. IDADES ATUALIZADAS EM 2020
Scaramouche
Enviado por Scaramouche em 08/05/2017
Reeditado em 19/12/2020
Código do texto: T5993054
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