SANTA CLARA CLAREÔ, MAS...
Quando recém casada,ela chegou à Irati o calendário marcava o ano de 1907.No viço de seus 27 anos,desbravou a mata cerrada,escolhendo as margens do rio das Antas para erguer um casebre e trabalhar entre as paredes rotas de madeira, suas emoções,anseios,temores e solidões.
Trazia sangue de bugre nas veias,o que lhe fazia uma guerreira.
Orgulhava-se disso,ainda que sob a couraça de valentia,abrigasse meio disfarçados: melindres,afetos e suavidade de alma feminina frágil e delicada.
Das poucas coisas que trouxera na mudança,a pequena imagem de Santa Clara,presente de madrinha,era certamente o item mais precioso à que devotava toda fé em orações.
O lado bugre,amava tempestades.Assim, viajava em devaneios por aldeias , turbilhões e florestas escuras a povoar-lhe o imaginário.A outra porção ,sensível de mulher,temia raios e trovões.Então,quando arvoredos contorciam-se à truculência de ventos, águas pranteavam , permeadas a relâmpagos,a primeira janela que lhe surgisse à frente servia de ringue para o duelo de suas duas facetas .Temor e admiração degladiavam-se até que a bonança estabelecesse uma trégua. Então,com a leveza de campos umedecidos ela sucumbia à mulher que lhe habitava.
Santa Clara,nestas ocasiões,era porta voz para que torneiras se fechassem e ameaças de enchentes não conseguissem seus intentos.
Um pedaço de sabão colocado no beiral de um paiol ao fundo do quintal,servia de oferenda à Santa que,com a espuma iria “clarear” o mundo e assim,afastar a ameaça das inundações levando a chuva e repondo o sol.
Com base nesta crendice,inúmeras vezes fui incumbido à subir numa escada levando nas mãos o “sabão de Santa Clara”.
Em certas ocasiões,quando as chuvas eram mais fortes,a imagem era igualmente conduzida e instalada num local protegido das águas,desde que fosse respeitada uma certa proximidade com o pedaço de sabão. (o “seu” sabão).
Num destes torós,sabão e Santa foram-se para o paiol.Chovera uns dois dias seguidos,inundando-se grande parte do quintal . Quando cessaram as chuvas e o sol reapareceu,agradecida , a devota ordenou que fosse recolhida a imagem de sua fé.
Para surpresa de todos,sumira-se do paiol :Sabão e Santa.A explicação para o sumiço dera-se da seguinte forma:O sabão,teria sido usado por inteiro para que a protetora “clareasse” o cinza dos dias.Quanto à imagem,havia-se operado o milagre e a mesma rumara ao céu depois de restabelecida a luminosidade solicitada.
O assunto vinha sempre à tona entre as comadres em seus “chimarrões” e muitas velas foram queimadas na sequencia por conta do milagre do desaparecimento.
O tempo correu,a devota se foi para outras dimensões levando consigo a certeza do milagre da santa com que a madrinha lhe presenteara um dia.
Pelo sim,pelo não,aos que conheciam o episódio restava o enigma daquele sumiço.
[Vai que a devota estivesse certa!?]
Anos mais tarde e o paiol passara por uma reforma.Com a demolição,surgiram entulhos de uma antiga ninhada de ratos . Em meio à sujeira ,eis que , empoeirada e meio combalida, reaparece a pequena freirinha,vítima que fora de um sequestro encabeçado por ratazanas terroristas que a mantiveram encarcerada há décadas.
Explicado aquilo que achava-se ter sido um milagre,deu-se um trato na imagem e hoje ela desfruta de algumas regalias em seu altar com direito à pequenos mimos que oscilam de velas à jasmins orvalhados de chuvas brandas.Destas garoas que benzem telhados , de mansinho,dispensando gastos com oferendas,até porque : chegam e se vão nos momentos certos.
A centenária Santa Clara,à quem sempre devotamos todo respeito,é lembrança da “Vó Maria”,a guerreira ,que mergulhava na energia dos temporais em busca de suas raízes e retornava na placidez da bonança,leve e tranquila,ao convívio de seus familiares.
Joel Gomes Teixeira
Quando recém casada,ela chegou à Irati o calendário marcava o ano de 1907.No viço de seus 27 anos,desbravou a mata cerrada,escolhendo as margens do rio das Antas para erguer um casebre e trabalhar entre as paredes rotas de madeira, suas emoções,anseios,temores e solidões.
Trazia sangue de bugre nas veias,o que lhe fazia uma guerreira.
Orgulhava-se disso,ainda que sob a couraça de valentia,abrigasse meio disfarçados: melindres,afetos e suavidade de alma feminina frágil e delicada.
Das poucas coisas que trouxera na mudança,a pequena imagem de Santa Clara,presente de madrinha,era certamente o item mais precioso à que devotava toda fé em orações.
O lado bugre,amava tempestades.Assim, viajava em devaneios por aldeias , turbilhões e florestas escuras a povoar-lhe o imaginário.A outra porção ,sensível de mulher,temia raios e trovões.Então,quando arvoredos contorciam-se à truculência de ventos, águas pranteavam , permeadas a relâmpagos,a primeira janela que lhe surgisse à frente servia de ringue para o duelo de suas duas facetas .Temor e admiração degladiavam-se até que a bonança estabelecesse uma trégua. Então,com a leveza de campos umedecidos ela sucumbia à mulher que lhe habitava.
Santa Clara,nestas ocasiões,era porta voz para que torneiras se fechassem e ameaças de enchentes não conseguissem seus intentos.
Um pedaço de sabão colocado no beiral de um paiol ao fundo do quintal,servia de oferenda à Santa que,com a espuma iria “clarear” o mundo e assim,afastar a ameaça das inundações levando a chuva e repondo o sol.
Com base nesta crendice,inúmeras vezes fui incumbido à subir numa escada levando nas mãos o “sabão de Santa Clara”.
Em certas ocasiões,quando as chuvas eram mais fortes,a imagem era igualmente conduzida e instalada num local protegido das águas,desde que fosse respeitada uma certa proximidade com o pedaço de sabão. (o “seu” sabão).
Num destes torós,sabão e Santa foram-se para o paiol.Chovera uns dois dias seguidos,inundando-se grande parte do quintal . Quando cessaram as chuvas e o sol reapareceu,agradecida , a devota ordenou que fosse recolhida a imagem de sua fé.
Para surpresa de todos,sumira-se do paiol :Sabão e Santa.A explicação para o sumiço dera-se da seguinte forma:O sabão,teria sido usado por inteiro para que a protetora “clareasse” o cinza dos dias.Quanto à imagem,havia-se operado o milagre e a mesma rumara ao céu depois de restabelecida a luminosidade solicitada.
O assunto vinha sempre à tona entre as comadres em seus “chimarrões” e muitas velas foram queimadas na sequencia por conta do milagre do desaparecimento.
O tempo correu,a devota se foi para outras dimensões levando consigo a certeza do milagre da santa com que a madrinha lhe presenteara um dia.
Pelo sim,pelo não,aos que conheciam o episódio restava o enigma daquele sumiço.
[Vai que a devota estivesse certa!?]
Anos mais tarde e o paiol passara por uma reforma.Com a demolição,surgiram entulhos de uma antiga ninhada de ratos . Em meio à sujeira ,eis que , empoeirada e meio combalida, reaparece a pequena freirinha,vítima que fora de um sequestro encabeçado por ratazanas terroristas que a mantiveram encarcerada há décadas.
Explicado aquilo que achava-se ter sido um milagre,deu-se um trato na imagem e hoje ela desfruta de algumas regalias em seu altar com direito à pequenos mimos que oscilam de velas à jasmins orvalhados de chuvas brandas.Destas garoas que benzem telhados , de mansinho,dispensando gastos com oferendas,até porque : chegam e se vão nos momentos certos.
A centenária Santa Clara,à quem sempre devotamos todo respeito,é lembrança da “Vó Maria”,a guerreira ,que mergulhava na energia dos temporais em busca de suas raízes e retornava na placidez da bonança,leve e tranquila,ao convívio de seus familiares.
Joel Gomes Teixeira