Uma asa na porta.
Quando começava a minha vida profissional, ainda muito jovem, os departamentos eram enormes, com muitos telefones, tec-tec constante das máquinas de escrever, papeis aos milhões, e era necessário muita organização para virar bem tudo aquilo.
De quarenta pessoas eu era o caçula, moleque de tudo, nem barba tinha direito, só pensava no futebol, na namorada, e estudar à noite, mas pensando bem a vida já era bem movimentada, com muita condução e horários apertados. Horas de sono, poucas é claro.
Ás vezes um de nós se atrasava, e atrapalhava o bom andamento, e naquela época os chefes eram bravos pra valer, não existia esse negócio de jeitinho para falar, cuspiam fogo pelas ventas, dragões engravatados.
O nosso chefe acabou fazendo uma reunião geral , me lembro bem, todos nós de pé , em circulo e ele ao centro, falando alto e gesticulando; " Não quero mais saber de atrasos, não quero mais desculpas esfarrapadas , eu prefiro que me digam que um avião caiu na rua de vocês e a asa ficou prendendo a porta da suas casas, pois terá mais sentido para mim ". Achei aquela bronca muito engraçada, e não esqueci a última frase.
Se passaram uns seis meses mais ou menos, e um dia cheguei um pouco atrasado, então o chefe me chamou na sala e me deu bronca, se bem que ele era legal comigo, pois sabia que eu estudava contabilidade na Av. Paulista e chegava tarde em casa; " Pô cara, atrasado ...que aconteceu, já não havia te avisado ?"
- Sabe o que foi ...um avião caiu na rua da minha casa e ...você nem queira acreditar (e ele ouvindo sério), a asa ficou presa na porta e eu não conseguia abrir ...
Ele não se lembrava mais .
- Que porra é essa que você está dizendo, está tirando sarro da minha cara ? Já bem nervoso.
- Não senhor, pois foi o senhor mesmo que nos disse em uma reunião que não queria saber de desculpas ,e que era melhor dizer isso, do avião e tal...
Ele ficou me olhando, sem entender coisa alguma, rsrsss...
No final do expediente ele me chamou para um café e me perguntou baixinho; " Escuta , eu disse isso mesmo , do avião ?"
- Juro pela minha mãe !
E nos dois caímos na risada.
Temos uma amizade até hoje , de quarenta e cinco anos.