_______Empadas


 
Algumas perguntas, por favor, não me façam: não sei respondê-las, nem pensando demais. Outras, podem fazer que respondo na horinha, sem pestanejar. Por exemplo: Qual é seu salgadinho preferido? Empada — responderei de imediato. Se já vacilei por um segundo entre empada e coxinha, hoje, já mais madura e certa de minhas preferências, não tenho a menor dúvida. Empada é o que gosto mais (quanto à coxinha, não posso ser ingrata, dou-lhe medalha de prata).

Não, não é de hoje que gosto das empadas. Isso veio dos tempos de criança quando provei pela primeira vez, e soube que era o melhor salgadinho que comeria na vida. Lembro-me que azucrinei minha mãe para encomendarmos uma receita inteira com a Regina, moça especialista na iguaria. E assim foi feito. Ela nos passou uma lista de ingredientes. Arrumamos tudo e eu mesma me incumbi de levar para o feitio, num bairro bem distante de nós. Mas, o que são quilômetros e quilômetros percorridos perto de um tabuleiro de empadas douradas, quentinhas e crocantes? Nada! Nada, mesmo!

Muito bem, naquele tempo não se vendia bandejinhas com peito de frango como as que atualmente pululam pelo comércio. A coisa era bem mais difícil, mas valia pela originalidade. Então o último item listado pela Regina era nada mais, nada menos que “1 galinha”. Imagine, hoje em dia, alguém colocar “1 galinha” na lista? Sei lá, acho que o cliente não saberia o que fazer. Onde conseguir uma galinha? Esse problema não era o nosso. O terreiro tinha galinhas às centenas, era só escolher a caipira mais forte e mais saudável e pronto! Nunquinha que o item iria nos deixar em apuros. E assim foi feito. Uma carijó escolhida a dedo foi a azarada da vez. Lá se foi entre a lista requisitada. E vivinha da silva, que a Regina pegava era assim mesmo, para matar e retirar as carnes nobres.

Foram uma festa, aquelas empadas. Tanto que até hoje lembro cada detalhe. Ficaram tão boas que meu paladar as elegeram para sempre o melhor petisco. Onde quer que tenha um festejo, é por elas que procuro em primeiro lugar. Festinha sem empadas fica só na categoria mais ou menos. O carro-chefe, para mim, não pode, não deve faltar.

Hoje, os grandes banquetes desbancaram os velhos e bons salgadinhos. Só novidades, nomes estrangeiros, que a gente nem pronuncia, e come, sem nem desconfiar o que seja. As coxinhas, pasteizinhos, e empadas estão ultrapassados. Ficou até meio cafona servi-los. E há quem os sirva só quando comparecerá a velha guarda, gente que não gosta de modernidades. Sou do time, e embora não tenha nada contra as modernidades, e até as experimente, fico mais feliz no meu canto se me servirem as cafonices do passado.

Mas, um protesto há que ser registrado. A tradicional empada também não perseverou através dos tempos. Se era feita com a galinha caipira pega no terreiro, a banha de porco (que dá um sabor totalmente diferente), os ovos caipiras, os temperos caseiros, assada em forno à lenha, hoje é tudo só pela metade. Os ingredientes e variados recheios atuais não condizem com os sabores antigos, o que no final faz uma tremenda diferença.

 Hoje só conheço uma pessoa ainda fiel ao sabor que me conquistou. Não é mais a Regina, que essa não sei por onde anda, mas a Vanda. Com ela ainda se é possível voltar ao passado numa mordida em uma empada. Inventaram tantos modelos novos que às vezes até nos confundem. Mas com a tradição ninguém mexe. Espero que a tradição da Vanda, seus segredos e mistérios sejam repassados a quem quiser herdar o título “Rainha da Empada”. Senão, ai das novas gerações que nunca saberão o que é comer uma verdadeira empada.

Esses escritos, em homenagem à verdadeira empada, foram inspirados numa empada muito ruinzinha que me enganou por completo com seu belo visual numa vitrina: douradinha, com cara de crocante, a danada tinha mesmo só aparência —  massa dura, pisoada, e, Deus nos acuda, recheada com presunto moído... Ah, não dá não!