E Cristo Ressucita Novamente
A semana santa chega, como uma crônica de uma morte anunciada, em que velhos e jovens, ricos e pobres, santos e hereges reúnem-se para reviver a dramática crucificação de Cristo.
Já no domingo de Ramos – um domingo antes da pascoa – os ânimos afloram-se. Milhares de fiéis seguem em procissão pela cidade, cheios de terços, véus e bíblias nas mãos, simbolizando a nobre chegada de Jesus à Jerusalém.
Do outro lado da cidade, no que mais parece ser um universo paralelo, ovos de chocolate vendem feito agua, mostrados massivamente em outdoors, comerciais de TV e nas ruas, através de pobres empregados que, indignados, vestem trajes desconfortáveis e ridículos de coelho da pascoa.
Nesta semana o tempo parece mais corrido que nas outras épocas, como se os dias tivessem apenas 5 ou 6 horas, para a felicidade geral da nação.
E os cristãos orgulham-se pois em todas as semanas santas revivem a dor da prisão, a paixão pela vida e a gloria e soberania da ressurreição.
Dito isto, Cristo é quase como um visionário, não um messias, mas um homem à frente de seu tempo, que andava com os marginalizados pela sociedade, os loucos e os desordenados.
Tinha sim uma persona conservadora, que muitas vezes falava mais alto, mas era e pensava diferente. Por esta razão morreu torturado numa cruz, ensanguentado, usando apenas uma coroa de espinhos e uma espécie de tanga, numa posição quase que homoerótica. Ironicamente, cercado por seres regressistas e antiquados, semelhantes aos que mataram Giordano Bruno, 15 séculos depois.
No primário, crianças representam o fatídico dia da crucificação e no supermercado onde meu pai trabalha funcionários recebem peixe e vinho para o jantar.
No dia seguinte é o dia da morte de Cristo, em que todos são surpreendidos ao descobrirem que não é permitido comer carne de nenhum animal que não seja peixe, por algum motivo nunca compreendido por mim.
- Como carne a vida toda! porque hei de virar vegetariano por um dia? - indago.
- é que isso é um desrespeito ao luto pelo filho de deus! - Minha mãe apressa-se em dizer.
Sinceramente, tenho pena dela! É diabética, ou seja, além de não poder comer carne, também não pode nem pensar em comer ovos de pascoa, tendo que se contentar apenas com os de galinha.
Todavia poderia ser pior, dado que nos tempos de meus avós também era proibido: limpar a casa, ouvir rádio, ligar TV em volume alto, pentear os cabelos e - pasmem - tomar banho!
Pensando assim, já que costumes bizarros são moda durante estes dias, quero criar aqui mais um: que tal se as igrejas distribuíssem chocolate durante a quaresma?
Imaginem a cena: milhares de fiéis formando filas para receber as hóstias sabor chocolate meio amargo, enquanto o padre vocifera: "- Saúdem o divino coelho da pascoa, amém!".
Isso, para quem não é religioso, como eu, seria o paraíso! Afinal, teríamos pelo menos um motivo para ir à igreja, nem que fosse só uma vez a cada ano.
Contudo, as pascoas vem ficando cada vez menos significativas para mim, desde que deixei de acreditar no maldito coelhinho.
Tornou-se um dia blasé, chato. Deixei de ganhar ovos gigantes, com pequenos brindezinhos dentro e passei a ganhar camisetas coloridas, com golas altas e uma áurea um tanto infantil. Tudo isso sem contar o fato do cheiro de chocolate ter sido substituído por outro, insuportável, de peixe.
Após o domingo de pascoa, a semana santa finda-se e damos de cara com a segunda da profanação, onde tento recuperar as energias gastas e retornar a rotina ociosa de meus dias indolentes, que me perseguem enfadonhamente durante a maioria das semanas.
Indiferente a isso, Cristo segue nascendo, morrendo e ressuscitando, todos os anos, todas as décadas, todos séculos, todos os milênios e assim eterniza-se.
Crônica escrita em: 13/04/2017
Estou sem ideias. Não quero ficar muito tempo sem postar, então resolvi colocar essa crônica que escrevi há quase 1 mês.