Ovos na janela

Eu caminhava tranqüilamente pela calçada, cantarolando Tom Jobim fora do tom, quando vi meu cérebro derretendo, como ovos. Uma gemada diet escorria pelas minhas têmporas, e um cheiro fétido de socialites descerebradas tomou conta do ambiente. As galinhas empoleiradas nas suas granjas de arranha céu sem miolos, tascam suas proles pelo vento, e aqui embaixo, pobres mortais famintos, agradecemos, por não ter vacas lá em cima. Talvez por que vacas sejam mais inteligentes.

Encontro seu Zé, porteiro do prédio que me diz:

- O senhor, que tem internet, e é um escritor famoso, poderia me ajudar.

- Quem me dera se Zé. Se professores e escritores fossem respeitados, nem precisavam ser famosos.

- Mas meu filho disse que o senhor escreve num jornal lá das bandas de Santiago. Talvez o senhor pudesse me ajudar a publicar esta carta, pode ser que assim o presidente deste país tome conhecimento.

- Duvido! Nem com um avião caindo por semana ele e centenas de mortos ele soube. O jornal que participo reúne só escritor e estes distribuem entre seus amigos, mas deixa estar que vou publicar.

Subi as escadas, por medo de lugares elevados, enquanto o porteiro resmungava.

- Eu, com primeiro grau completo, nunca deixarei de ser porteiro.

Transcrevo-a:

“Exmo. Senhor presidente.

Estou escrevendo esta carta apesar do estudo deste país ir de mal á pior, escrevo melhor que muitos por ler bastante, diferente da maioria dos alunos das escolas públicas deste caos, que ainda chamamos de país. Meu filho de quinze anos, que estuda direitinho, mas teme pelo futuro. Que não tenha um futuro. Dia após dia a violência ronda sua escola, como ele trabalha de dia e estuda a noite, voltando para casa quase meia-noite, ele espera sobreviver até findar os estudos. Eu já pendi para o lado final da jornada. Apesar de minha mãe também ter nascido analfabeta, a exemplo da sua, eu fui bem educado, para respeitar as pessoas, não fazê-las de idiotas e selecionar melhor minhas companhias.

Presidente, tínhamos um trato. Eu lhe elegeria, e o Senhor lutaria contra a corrupção e mudaria a vida do povo. E o que foi feito? Seus pares fizeram igual ou mais que os que combateram por longos anos. Lembra-se dos bordões? ‘Chega dos mesmos’. Eu lembro. Eram tempos de esperança, de sonhos e de vidas, que vieram se esfacelando pela estrada, com balas perdidas, valeriodutos, sanguessugas, vampiros, mensalões, mensalinhos, cuecas, malas... Tanta coisa que já esquecemos. Não era para esquecermos. Mas nossas cabeças não são computadores para aturar tantos escândalos. A sua deve estar leve, nunca sabe de nada.

‘Os mesmos’ eram para serem extirpados da vida pública, não para serem exemplos para os novos companheiros chegados. Seu irmão passou á Lambari, mas como cachalote, protegeu muitos tubarões. E quando eleito em vez de mudar a vida do povo, doutrinou-o com esmola família, para garantir mais uma eleição, mas desta vez eu não votei, estou envergonhado até para dizer que sou eleitor.

A mudança que vi, foram seus amigos, estes sim mudaram de vida. De pobres sindicalistas ferrados pela ditadura, passaram a milionários dourados pelo nosso tesouro. Viramos galinhas de ovos de ouro.

Estão as galinhas de ovos de ouro se divertindo, jogando suas frustrações vazias pelas janelas, enfim, se fossem ovos de beija-flores, confundiríamos com seus conteúdos mentais. Estou morrendo de rir senhores, isso é uma patética demonstração de suas capacidades. Esse show de horrores estampa um sorriso plástico nas caras de botox, sem moral nem para falar merda, quanto mais para jogar ovos pela janela.

Eu sou o ovo que saio de suas mãos criminosas para me estatelar na testa de alguma pessoa honrada, algum trabalhador honesto que sustenta a justiça que lhe sufoca com braços fortes, mas eleva esta parte podre da elite a condição de intocáveis. Eu não tenho proteção de imprensa, só a prensa estúpida de algum de seus padrinhos bestas, que com o fedor de seus cérebros diluídos em álcool e éter, tenta me sufocar.

Censurados como criminoso de ditaduras estúpidas, somos condenados a calar diante de tremenda patologia mórbida enquanto eles divertem-se nas mazelas nossas de cada dia. Os pobres trabalhadores pisam em ovos dia após dia, para manter-se dentro da lei, criada com voracidade cega de proteger uns e prender outros.

Somos os idiotas idolatras que estampamos revistas com a cara inepta destes acéfalos famosos não sei quem, que disputam torneios estúpidos de ovo em distancia. Não deve ser maior do que a capacidade de elaborar coisas mais produtivas, tais como um bando de malucos confinados numa casa se digladiando por uma quantia de grana, que os bobos de plantão pagam fortunas para escolher o vencedor.

“Ai, que absurdo”. “Embora a moda hoje em dia seja engolir sapo e mentir, eu não sou adepta à esta moda. A verdade é libertadora. Eu não consigo ser dissimuladora. Eu sou transparente, franca e direta”. Ainda bem (Isso meu filho pegou na internet).

A verdade aparece, não fica por muito tempo, se tivermos bons advogados para nos defender, ou bloquear, democraticamente, nossa livre expressão.

Bem que esta classe medíocre, de jogadores de ovos, poderia jogar estes fedidos cérebros nos políticos trambiqueiros, e a quem recai a culpa das vaias, como se estes tivessem capacidade de saber o texto de cor. Diante de minhas posses, não sou elite, e não vaiei o presidente por estar trabalhando. Não são as elites que estão vaiando presidente, eles estão bem, muitos são elite, graças ao seu governo. Um de seus amigos, tornou-se dono de empresa aérea, seu filho de empresa telefônica. E nós, presidente? E nós?

Assinado. Zé da Silva, porteiro”.

J B Ziegler
Enviado por J B Ziegler em 08/08/2007
Código do texto: T598855
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