Lydia se foi em silêncio

Acabava de completar 19:30 horas e Lydia saía do demorado banho. Ainda enrolada na toalha de banho recém lavada, era dia de domingo. Havia sido dia de limpeza e Lydia estava exauta. Segunda-feira seria feriado, dia do trabalho, e Lydia ja tinha um descanso todo planejado. Pela primeira vez iria descansar sem afugentar-se do monstro da culpa.

Lydia entrou em seu quarto e, sem muito olhar para os lados, pediu em silêncio um pouco de tempo.

Já com as portas trancadas, põe-se à frente da cama e, calma, retira do corpo a toalha molhada e a enrola no cabelo. Neste mesmo gesto, a brisa fria a invade e ela desperta, vestida de pelos arrepiados, e o olhar perdido na caixa dos remédios.

Lembra-se então, de súbito, que esqueceu-se de tomar o remédio que ha um tempo deveria ter tomado. Num gesto impensado e inconsequente, junta na boca quente um pouco de saliva e tenta engolir o comprimido; porém, como que numa maldição, engole apenas a saliva e sente-o adentrar ao canal errado, encaminhando-se para o pulmão. O comprimido, já cruel, vai-lhe então causando sofrimento.

Quanto maos corriam os segundos, mais Lydia ia sentindo-se próxima da morte.

Passados 20 minutos, Lydia sofre com tosses amargas e secas. Roxa, doente e tão rapidamente que ninguém nada pudesse fazer para poupar-lhe a vida, cai sem prenúncio no chão de seu quarto.

A brisa de sempre, a mesma cortina, balançando com o ar que chega novo a inundar-lhe os passos para o outro lado. Eis-me aqui e meu maior segredo.

Os homens presentes seguram-lhe o corpo e levam-na para o carro, a caminho - inútil caminho - do hospital. Sua mãe parada estática, de olhos pousados no quarto por um segundo: o abatjour ligado, o disco de vinil rodando em "The Best of Bob Dylan", oa comprimidos quietos, silênciosos, intocáveis, no lugar de sempre.

Nenhum vestígio, um mistério, um segredo: uma viajem.

Aquele quarto cheio de bugigangas e cararecos aos poucos perdeu sua dona, sua mãe, sua prisioneira. Sabe-se lá onde Lydia estaria a dormir agora, senão na cama enfeitada. A cama de sempre.

Lydia morrera e ninguém nunca descobrira o por quê.

Carolina Oliveira

2017