Assim ou ...nem tanto. 90
O Professor
Dizia com palavras e todos víamos acontecer a história, o caso, a matéria que aprendíamos. Um dia, aquele tufo de pelos cresce, cresce, e por aquela porta, se calha entrar, é um lobo avantajado. Fareja a Maria, olha fixamente o João, foge Manel que, agora, vai direito a ti e ainda te abocanha. E a emoção era tanta, que víamos o bicho, gritávamos, havia quem subisse para cima das carteiras e o clima só amainava quando o Mestre, de palmas voltadas para baixo, dizia: -calma, calma e não se mexam que o animal desta vez vem sem raiva e sem fome. Pronto, saiu. E a paz voltava até haver outra coisa a ensinar, a aprender, a viver dentro daquele espaço onde estar era uma coisa forte, interessante, essencial. Assim eram as aulas de Honório a quem cabia ensinar tudo: o abecedário, a leitura, as contas, a prova dos noves e a real, a geografia. Cantava-se o nome dos rios mas um afluente dos mais arrevesados haveria de transbordar, levar tudo a eito até chegar ali por artes de magia e a cheia, o quase afogamento da professora Arminda, o descalçar dos sapatos e o erguer das saias e das calças fazia com que ninguém nunca mais esquecesse como se chamava, que barragem enchia, que outros estavam a montante e a jusante, que campos atravessava até se verter num mar de todo o tamanho que seria fruto de novas certezas e divagações no dia seguinte. E Honório, o professor, terminava a aula a calçar os sapatos molhados na cheia e a dizer que uma pedra mais aguçada lhe furara a meia por onde o dedão com uma unha grossa se mostrava. Troco-as depois. Até amanhã.