SE O MEU PÉ DE DENDÊ FALASSE
Se o meu pé de dendê falasse, eu nem precisaria estar aqui agora diante dessa tribuna calibrando considerações. Poderia ter ficado a vida toda lá em Pedra Furada só comendo siri-boia com pirão de azeite e mais aquele bônus dos quiabinhos por cima.
Se o meu pé de dendê falasse, deixaria chocada toda a Cidade Baixa, Sete Portas, Baixa dos Sapateiros, Ladeira do Taboão... Todos, então, iriam indagar por que o meu pé de dendê falava, por que revelava impunemente segredos de estado, expunha sumariamente o meu sigilo absoluto.
Se o meu pé de dendê falasse, poderia explicar a insurreição dos peixes mais graúdos — talvez que estivessem agindo assim por puro despeito, pela minha preferência pelos peixinhos menores —, que vão melhor com pimenta nativa e uma abrideira branquinha pra refrescar.
Se o meu pé de dendê falasse, revelaria o meu gosto pela farinha de Santo Antônio de Jesus, daquela que ainda chega na feira dentro dos panacuns dos jumentos morninha, morninha...
Se o meu pé de dendê falasse... Ora, mas o meu pé de dendê não fala! Ele apenas ouve o que eu tenho a dizer. Outro dia mesmo descobri até que ele tem ouvido seletivo, porque eu falei, falei, falei e... nada — o meu pé de dendê, em essência, permaneceu legítimo, imaculado. No fundo, no fundo, percebi que era apenas eu quem ia dando as respostas ou subtraindo as perguntas; ele, apenas fleumático, como um bom pé de dendê que não fala.
Às vezes, fico pensando: e se o meu pé de dendê, do nada, falasse?! Mas logo reconheço que essa não seria uma boa ideia. Melhor mesmo é ir de vez em quando à Pedra Furada pra comer aquele siri-boia com pirão e quiabo. O resto devo reservar no campo das especulações.