Assim ou ...nem tanto. 89

O Vazio.

Chegou a formiga ao meu vazio. Na cegueira branca dos meus olhos tudo existia sem ser visto. Tudo era branco de silêncio, branco de nada, branco. Nem palavras nem ideias, nem interesses, nem afectos. A vida era um buraco em que, sem para-quedas, o corpo caía. O pior das quedas é nem percebermos que caímos. Pode dizer-se que o inverso também é verdadeiro. Não perceber, não sentir, não ver, não… é ficarmos de pedra, como as estátuas que também têm olhos inúteis e corpo de vida ausente. Doer é um sinal de vida, de emoção, de verdade e isso vale muito mais que o zero que nos elide. Por isso as lágrimas melhoram, aliviam, libertam e chegam a sarar a tristeza. Estava sem estar, era sem ser quando, mínima, a formiga chegou ao meu vazio. Caminhava determinada seguindo o odor que lhe dava bússola e cruzou o tampo da mesa. Vi-a chegar ao grão de açúcar, avaliar, tomar posse e seguir para o resto da lonjura que pode ser o tampo de uma mesa vulgar. Estamos sempre a meio do infinito, disse Pessoa, o Fernando. E, como formiga, o que para um homem é curto pode dilatar-se, sem fim à vista. Importaria chegar ao formigueiro, ao destino, ao convívio, ao amor imaginaria Kafka que gostava de formigas. E eu, onde quero chegar? Quero?

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 27/04/2017
Código do texto: T5982676
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