Saudade da Dobradinha de Mãe

Uma prima minha, dia desses me perguntou à queima-roupa: "Qual o melhor, o feijão de minha saudosa mãe, Dalgiza, ou a dobradinha da saudosa Tia Maninha?". Fiquei quase, como se dizia antigamente, num sinuca de bico. Mas apesar de saber queo feijão de minha tia Dalgiza era nota dez, o seu tempero era divino, fiquei e fico com a dobradinha que minha mãe fazia. Sobretudo a que ela fazia nos aniversários do meu pai, o Major Wilson Pôrto, aproveitávamos para comemorar nessa data também o dia dos país.

Era nossa maior festa e confraternização. Era uma festa que alegrava, divertia e, quase sempre, nos causava tanta emoção que terminávamos chorando. E o prato de resistência dessa festa porreta era a famosa dobradinha de Dona Maria Almira, a Tia Manainha, como a chamavam nossos primos (as irmãs e parentes chamavam-na apenas de Maninha).

Que fique claro que a dobradinha era regada a umas cervejinhas estuidamente geladas e a um uísque de primeira linha que meusaudoso irmão Isinho, trazia, sempre dois litros de Johnnhy Walker. Mas para os abstêmios havbia guaranaás, sucos e até ponches.

A galera começava a chegar às dez e meia da manhã. Na chegada entregavam logo os presentes do Major. ele sempre afirmando que anao precisava dos distintos: sapatos, meias, pijamas, camisas, chinelos... Mas na verdade gostava das lembranças dos filhos, xcunhadas, cunhados, genros, noras, filhos, netos e amigos. Eu me lembro que num desses aniversários dei a ele de presente um relógio Seiko. fpoinos anos 70, ele usou ele até o fim da vida. Mas houve um presente especial que foi o lançamento, de supresa, do seu livro de sonetos, organizado e coordenado pelo meu irmao caçula, Ivan. Nesse aniversário fomos comer a dobradinha às quatro horas da tarde, depois que ele autografou para cada um dos presentes um exemplar do livro, com aquela sua letra bonita e redonda de ex-tabelião, depois foi que se tornou dentista prático.

Era uma zorra geral esses aniversários. Enquanto tomávamos as cervejinhas geladfas e o uísque esperto, a gente rememorava fatos do passado, contava piadas, discutia política e futebol, mangava e gozávamos uns dos outros, sempre tirando o gosto com um copinho do caldo da dobradinha. E, nao raro, colocávamos alguns elepês na radiola para animar ainda mais o ambiente, às vezes até aparecia um violão vadio e alguns cantores desafinados mas empolgados. Claro que de vez em qando havia uma discussão, um bate boca, mas tudo dentro do figurino. O que anão havia era tédio.

Sou, pois, um admirador da dobradinha, mas, pasmem, evito hoje esse prato. Em primeiro lugar porque a dobradinha de hoje é light, diferente, sem o tempero de mãe não tem gosto. Mas o motivo maior é que a dobradinha me lembra o passado,me entristece, me faz ficar meio deprimido. O interessante é que um dia desses um parente me perguntou se eu tinha a receita da dobradinhade mãe. Eu tinha,fiqueicom o caderno de receitas dela, mas perdi numa mudança. De forma que a dobradinha de Dona Maria Almira nunca mais vou comer. E nem comparecer aos aniversários do Major. Mas eles ficarama para sempre impregnados na minha mente e coração. Mas faço justiça ao feijãode Tia Dalgiza. Elas (minha tia e minha mãe) estão hoje no Reino de Deus, quem sabe cozinhando suas iguarias.Tia Dalgizapara seu esposo Remildo e seus filhos que ja partiram,e minha mãe para o Major, meu pai, e para Isinho, meu irmao qe já partiu.. Ah, saudade, saudade da dobradinha, do meu pai, da minha mãe... Saudade, saudade tão grande. Vou tomar uma lapada de Pitu em homenagem ao passado. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 27/04/2017
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