MÁGICO...

Ainda garoto, todos os dias, ao ir à escola, eu mudava a rota, que seguia por uma avenida principal, e cortava o caminho por uma viela que dava numa praça onde haviam camelôs....

Achava interessante todo aquele movimento informal. Muita gente vendendo, muita gente comprando, muita gente tentando a vida... Eu, gostava de muita coisa, mas a intenção era ver o mágico! Na verdade ele nem era mágico... Digamos que era um ilusionista. Mas, fica mágico mesmo... Naquela época eu não entendia muita coisa. Sei que ele enrolava todo mundo muito bem. Isso ele sabia...

Ele era um camelô que passava o dia inteiro vendendo cartas, tecidos mágicos, dados e outros artigos do gênero... Contudo, principalmente, ensinava aos compradores como fazer mágicas! Esse era o meu foco!

Eram muito rápidas as apresentações, mas todas muito divertidas, pois com seu modo engraçado, ia contando várias estória, e com toda a destreza de suas mãos ágeis parecia brincar... Eu ficava maravilhado com tanta surpresa! Sorria atoa...

Decidi que estava disposto a fazer o mesmo... Primeiro comprei um dado mágico. Levava-o na mochila para a escola e ficava, no intervalo da aula, chamando um ou outro, para demonstrar o que tanto treinava em casa.... Ali, mesmo nervoso, eu me sentia... Fazia toda uma preparação, contava uma estória bem legal para ir contagiando... Os colegas riam, mas, infelizmente, sempre acabava me perdendo, ou na arte das mãos ou no segredos do olhar... Eu perdia a atenção e quase nunca dava certo, e quando dava já tinha perdido a graça...

Achei que com os dados eu ficava muito vulnerável... Eles eram muito óbvios... Limitados... Decidi, então, tentar algo mais versátil e completo. Juntei o dinheiro da merenda, voltei ao camelô e comprei um baralho. Aí sim, eu parecia ser um mágico! Ora, eram cartas... Mas, dessa vez, fiz questão de prestar atenção em cada um dos vários detalhes e segredos...

Caprichava na criação! Cada trecho da estória que eu contava, eu criava um mecanismo para encaixar algo que surpreendesse mesmo, que prendesse a atenção, e que fixasse o olhar mais atento e desconfiado.

Então, todos os dias, eu ia para a escola, e no intervalo, divertidamente, convencia os colegas a me dar atenção... Não sei como, mas eu conseguia... Eu começa uma nova estória, ia convencendo nas palavras, instigava o desejo de me ouvir, e só depois de notar os sinais eu iniciava meus truques...

Mas, novamente, não dava certo... Sempre me faltava alguma técnica no carteado... Eu esquecia a carta que tinha que virar, trocava as cores do baralho, os naipes, os cortes, o embaralhado... Eu acabava errando tudo.

Toda vez eu me atrapalhava com o momento, o olhar e o gesto. Confundia, completamente, o momento da ilusão. Passei a acreditar que eu não conseguia enganar ninguém.

Sabia que naquele momento eu dava o melhor de mim, sabia que tinha prendido a pessoa com uma estória legal, onde encaixava o melhor enredo... Eu conseguia criar o clima certo, conduzia muito bem na percepção das deixas, das entrelinhas, mas, nas cartas eu, literalmente, tropeçava.

Sinceramente, desisti! Larguei de mão... Nem sei onde foram parar esses meus objetos... Entretanto, hoje, ao lembrar disso, percebi que, durante todo esse tempo em que, eu treinei para iludir, o que eu aprendi mesmo foi contar estórias...

E mesmo agora, toda vez que eu sinto que a estória tá fluido, as sensações vão surgindo, e eu noto que o olhar está se permitindo eu fico pensando: será que é a hora de fazer a mágica?