ARTE OU ALIENAÇÃO?

Eu juro que queria dissertar apenas sobre amenidades, usar as Redes Sociais para falar de literatura, resenhar livros, escrever crônicas poéticas, rascunhar impressões vagas sobre cinema, colocar fotos de viagens pela Europa, passar receitas culinárias, sofismar e exprimir frases de sólida beleza filosófica. Sinceramente, é desagradável possuir um cérebro contaminado pelo fervor político, é insuportável não resistir aos chamados que nos fazem reagir às injustiças. Todo ativista é um inconveniente. Eu queria me alienar, de verdade. Sinto inveja colossal dos amigos que possuem autocontrole, que fazem das suas páginas públicas espaços temáticos com profunda disciplina e objetividade. Para o meu desalento, não consigo.

Infelizmente, quando recebo mensagens de taxistas vivendo o desespero de ter o trabalho usurpado por uma corporação americana, minhas mãos se estendem, se enlaçam às deles sem que eu possa impedir; minha voz ecoa o que eles gritam. Quando vejo uma criança em farrapos, suja, sentada ao meio fio, corro para saber como posso ajudar. Quando cruzo com um morador de rua, cato minhas pratas e fico ressentido por ser cúmplice da esmola. Quando testemunho um idoso doente, sem plano de saúde, sem dinheiro para os caríssimos remédios, praticamente condenado à morte, sinto a indignação que me força a querer vencer a impotência. São as angústias consecutivas, causadas por este campo de concentração, que me movem em direção aos olham o fundo do abismo.

Admiro quem mantém a própria solidariedade abafada, sem fazer alarde, porque existir como eu existo é carregar uma maldição, a maldição daquele que percebe estar sob um estado de coisas que restringe, que sufoca, que humilha. Acordo todos os dias com os versos de José Régio badalando no pensamento, “a minha vida é uma onda que se alevantou, é um átomo a mais que se animou...” Saiba que admiro o seu silêncio, companheiro. Seu silêncio vela, respeitosamente, as dores e a morte lenta dos seus semelhantes. Já a minha inquietude, a minha inexplicável compulsão, ela atrapalha o velório dos esquecidos e incomoda os prazeres de quem prefere não se envolver.
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 23/04/2017
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