O prefeito coveiro
E tem aquela da cidadezinha no interior de Minas Gerais que tinha um único coveiro. Trabalhava de domingo a domingo, mas a cidade era pequena e o serviço meio morto – por vezes passavam-se dias sem um enterro. Ora, eram tempos de crise e o prefeito começou a procurar onde é que ele podia cortar nas despesas da cidade. Foi quando alguém lhe fez ver que era um exagero gastar tanto com o coveiro, imagine só, ficar pagando um monte de horas extras para um sujeito que não tem nada para fazer. O prefeito decidiu então que, a partir daquele dia, não haveria mais coveiro nos finais de semana. Ou seja, nesses dias as pessoas deveriam evitar o hábito de morrer.
O fato logo se espalhou e a oposição chiou muito. Apresentaram estatísticas comprovando que os habitantes daquela cidade, de fato, morriam pouco, mas quando o faziam tinha como preferência justamente os finais de semana, de maneira que não poderiam dispensar o serviço de um coveiro assim, sem mais nem menos. O prefeito, por sua vez, retrucou que ninguém estava proibido de morrer no final de semana e, aqueles que assim o desejassem, que se sentissem à vontade. Ao lhe perguntarem quem haveria de ser o coveiro neste caso, o prefeito resmungou que, se fosse preciso, ele mesmo faria o serviço.
É que o prefeito achava que o serviço de coveiro se resumia a tirar um punhado de terra do chão. Fato é que, no primeiro final de semana depois da dispensa do coveiro, não morreu ninguém na cidade. Mas durante a semana seguinte caiu enferma, acometida por febre maligna, justamente a sogra do prefeito. O seu estado de saúde se agravou tão rapidamente que em pouco tempo ela já estava naquele morre-não-morre. Passou a quarta-feira, a quinta-feira, e a velhinha continuava mais para lá do que para cá – mas ainda viva. O prefeito já não sabia se rezava para ela se restabelecer ou apenas para que não morresse no final de semana. Isso porque ele sabia que iriam cobrar a sua promessa de ser coveiro e ele temia pelas manchetes tripudiando: “Prefeito cava a sepultura da sogra”. Seria como cavar a própria cova na vida pública.
Mas se havia uma coisa pior do que ela morrer no final de semana era ela morrer sexta-feira no fim do expediente – e não deu outra. Parecia que a velha, que nunca gostou muito do genro mesmo, fez de propósito e escolheu morrer na pior hora possível. Ah, ninguém sentiu mais aquela morte do que o prefeito. Era coisa de se ver o ar compungido com que se apresentou no velório, ocorrido durante toda a noite de sexta e o dia de sábado. Ele havia tentado ainda um último recurso, chamar de volta o coveiro, era só prometer alguma coisa que ele de certo viria. O diabo é que o homem, aproveitando a recém-conquistada liberdade dos fins de semana, havia decidido ir pescar e ninguém sabia direito para onde exatamente ele havia ido. Já haviam dado buscas pela região e nada de achar o sujeito.
O velório prosseguia, mas era nítido o nervosismo no ar, ninguém sabia quando e como se daria o sepultamento. Ficaram todos esperando a decisão do prefeito, que olhava para as próprias mãos e não conseguia imaginá-las revolvendo a terra. Ademais, devia ter técnicas para isso, é claro, o coveiro, afinal, é um homem concursado.
No fim do dia, o prefeito finalmente toma a sua decisão e se sai com essa:
- Ninguém sepulta antes de segunda-feira. Vamos dar o prazo regulamentar de três dias. Que é para ver se não ressuscita.