Flávio Colaço
Quando ele chegou de Roma, mesmo depois de ter comido tanta massa na Itália, pesava como qualquer franzino, alto, delgado, ectomorfo: Característica corporal de intelectualidade. Modesto, escondia-se por trás das lentes de vidro transparentes que nos deixavam enxergar seu raro sorriso, suas poucas palavras, e sua fisionomia plácida e sincera. Manso, dessas poucas palavras nenhuma pronunciada fora do polido tom, sempre reconfirmando um homem cortês e civilizado. Contudo uma pessoa simples, demonstrando simplicidade ser fundamental à amizade e ao confortável relacionamento humano.
O Reitor do Seminário logo o designou à docência; aos maiores para explicar as regras do Direito Canônico; aos menores, as regras da gramática. Ensinou-nos, com paciência, redigir, inventar imagens, mas sobretudo não desvirtuar o idioma pátrio. Tinha obsessão em colocar ponto no seu devido lugar, sobretudo a vírgula que se dividia , uma vez ou outra, com o ponto e vírgula. Tenho na memória que orientava, nas nossas redações, evitarmos a repetição da interrogação. Pois, usava uma linguagem afirmativa, de certeza, quando não, de fé. Agora, trasladou-se para outra cidadania, cuja cidade se vislumbra diante das suas tantas exclamações.
Meticuloso em tudo que fazia, naquilo que escrevia. Uma escritura que buscava a verdade, oferecida a todos, porque lhe importavam a substância e a universalidade das coisas, numa arte que propiciasse comunhão. Meu professor, meu companheiro de ensino na Universidade, meu vizinho e meu amigo. Recentemente, eu e Gonzaga Rodrigues o visitamos no Hospital, mesmo sofrendo, ele nos ofereceu um franco e largo sorriso que preservou até os derradeiros momentos da visita. Agora morreu, voltou à serenidade e à indisfarçável circunspecção trazida de Roma. Sobre suas potencialidades, concluo que, sendo a vida tão curta, o homem não é apenas aquele que foi, mas sobretudo o que poderia ter sido; morreu, agora, ele é perfeitamente completo...