Palhaço

Há uma música brasileira que é uma obra-prima e, portanto, eterna:Palhaço, do mestre de Carmo, Egberto Gismonti.

Somente um gênio poderia compor uma obra tão profundamente melancólica para o que deveria ser o símbolo da alegria.

Quase uma oração de angústia. O oposto do que seria um palhaço.

Estamos cansados de um país que é o contrário do que se procura imaginar que é.

Não somos pacíficos. Somos inertes. Não somos democratas. Somos indiferentes. Não temos futuro. Permitimos que nos roubem até o passado.

Somos alegremente tristes. E falsos na alegria. Não rimos de nossos males por ironia. Rimos porque somos a piada. Não escolhemos líderes.

Buscamos pais da pátria ou salvadores do país; como se existissem. Não somos cultos. Desvalorizamos a cultura.

Não respeitamos pensadores, poetas, letristas, músicos, historiadores, professores, sociólogos, psicólogos, juristas ou cientistas.

E devotamos uma quase adoração a quem venceu sem esforço.

Não somos homens. Somos machos. Não sabemos cuidar de crianças, com exceção das nossas. Não somos enganados. Engolimos mentiras.

Não somos guerreiros. Somos índios fantasiados num eterno carnaval.

Não somos capazes de demonstrar nossa indignação. Achamos que o Brasil sempre foi assim.

Não temos coragem. A prudência extrema é o outro nome da covardia. Não somos sequer uma nação. Somos um ajuntamento.

E nem somos clowns, que são nobres no que fazem. Somos os Palhaços da música de Gismonti. Um povo cada dia mais triste.

E que cobre com máscaras a fisionomia melancólica. Que finge que é povo.

Somos uma imensa trupe de palhaços tristes no picadeiro gigantesco.

Iacoe Michaela
Enviado por Iacoe Michaela em 20/04/2017
Reeditado em 16/03/2018
Código do texto: T5976005
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