Copenhague Zero Grau - Nó na garganta
Morreu o Juanito, espanhol naturalizado dinamarquês. Funcionário burocrático e artista sensível. Usava gravata de acrílico, pintada por ele mesmo. Nó na garganta, porém um nó artístico. Conheci-o pouco, mas deu pra sentir bastante a morte dele. Mesmo que a pessoa me seja indiferente, dói demais saber que não avisam o dia da morte. A gente é levado assim, da noite pro dia. Nem tempo de dar um tchau.
Morreu o Juanito,. Os filhos, servindo o exército dinamarquês, nos trajes militares, choram que nem dois bacorinhos desmamados. Um tem vinte e dois, o outro dezenove anos. Mas choram de cortar o coração, principalmente na hora de deixar o caixão à porta do crematório, de onde já não poderiam passar.
Já Rolando foi-se ontem pra Hamburgo. Professor, corre o mundo em biscates, pintando casas, lavando pratos. Desse jeito, guarda um pouco de dinheiro e conhece o mundo. Já andou toda a Rússia, da fronteira com a Finlândia a Vladvostok, visitou Japão, Suécia e a Noruega, para onde espera voltar, logo que conseguir o visto de trabalho na repartição consular norueguesa em Hamburgo. Ficamos amigos, ele, eu e um patrício que mora aqui em Copenhague, que apelidamos de Guru. Ontem, nós dois fomos levar Rolando à estação de trem. Foram poucos dias de convívio, mas já nos chamamos de "hermanitos". Fica na plataforma conosco até quando dão a partida e ele, às pressas, sobe ao trem e some pelos vagões adentro, buscando um lugar para se assentar. Me dá um nó na garganta. Igual ao que aconteceu no dia da encomendação de Juanito, quase choro. Estão todos partindo. Estou cansado de dizer adeus. Talvez nunca mais vejamos Rolando. Adeus.
A diferença entre Juanito e Rolando é que um teve tempo de deixar o endereço. Está aqui no bolso, palpável, legível, num pedaço de papel. É em São José da Costa Rica. Já o Juanito saiu sem mais nem menos, morreu de ataque de coração, a emblemática gravata de acrílico atada ao pescoço. Coitado, quarenta anos de idade, nem pôde ver como estava florida a igreja no dia da sua encomendação.
(Copenhague, Dinamarca/28/08/1978)