Coelhinho da Páscoa, por que me olhas assim?
Eu são sabia, não sei e nem quero saber. Não fui eu, não conheço e não quero conhecer... Fiz tudo dentro da lei, foi tudo declarado. Não sei se agora caixa um tem caixa dois dentro. Por favor, não me prendam... Tenho filhos para cuidar, um periquito e um poodle. É a campainha tocando, deve ser o japonês... Febre? Quantos graus doutor? Quem são estes aqui ao redor da cama? Eu estou morto? Vejo minha mulher ao lado de minha ex, elas nunca estiveram juntas antes. Meus filhos, todos aqui. Este de orelhas compridas parecendo o Coelhinho da Páscoa? Que sede! Quero água, por favor!
Enquanto tomava a água, minha mulher entre risos e soluços dizia: graças a Deus, é milagre! É o milagre da Páscoa.
Aos poucos, pelo que entendi, foram me contando que eu estava há dias em delírio, e só falava que não era culpado, que não era corrupto, que o dinheiro não era meu, que não tinha apartamento no Xangri-Lá, que não era pra deixar o japonês entrar, etc. Em resumo, estava febril e delirando há alguns dias. Praticamente em coma, achavam que eu tinha surtado e que não retornaria à lucidez. Notei ao lado do edredom uma vestimenta que me pareceu camisa de força.
A platéia aliviada aos poucos foi se retirando, ficando minha esposa e o médico que me auscultava e media a pressão. Procurei o coelho, não mais o vi. Será que era delírio?
Senti que o suor me escorria pela face, tomei mais um gole de água. Devagar, meu querido, dizia a minha mulher. Ou seria a ex? Não, a ex não me chamaria de querido. Enfim, notei que estava a enxergar melhor, as imagens estavam se delineando e comecei a ver a janela entreaberta com as cortinas de lado, dei uma respirada funda. Coisas desconexas as que falaram que eu dizia, mais parecia um político acuado do que um cidadão normal, foi uma observação que ouvi meio que ao longe. Deixa pra lá, nunca fui político e nem quero ser. Quer dizer, até que poderia se eu quisesse, pois nos últimos tempos...
O médico da família, eu o reconheci agora, falou que voltaria depois para ver como eu estava e minha mulher disse que o acompanharia até a porta. Chegou-me aos ouvidos o sussurro audível de que não me deixasse ver televisão nem ouvir rádio ou ler jornais, por um bom tempo, completo repouso. Facebook? Nem pensar! E para me dar bastante suco de maracujá que logo passaria esta "síndrome do eleitor culpado". Culpado eu? Nunca, nunquinha votei no PT! Culpado?, vejam só, não é que mesmo sem ter votado estou me sentindo culpado!!! Será que o japonês vem me buscar?
Armand de Saint Igarapery - postagens no Face e no Recanto das Letras