É LOUCA, A COITADA
Ei-la que surge à porta da igreja. Com passos rápidos percorre o corredor central e ajoelha-se com devoção à beira do altar.
Crianças cochicham, olham, cutucam-se e riem da pobre infeliz. Pessoas mais alheias ao recolhimento espiritual movem a cabeça e acompanham os movimentos daquela mulher.
Sobre a cabeça, encobrindo os cabelos levemente ondulados, presos ao léu em tranças fininhas, traz uma velha mantilha rendada, que, pelo tempo, tornou-se amarelada. Veste-se com extremo descuido, suas roupas, colocadas a esmo, ficam ponta abaixo ponta acima, amarradas pela cintura com um velho e grosso cinto de couro.
A mulher vai e vem nas laterais da igreja, ajoelha-se perante todos os santos; com mãos postas balbucia orações e, aos pés de Cristo, contrita, representa estar mais piedosamente atenta.
Seus lábios movimentam-se com veemência. Muitas vezes conseguimos escutar o som grave da voz, pronunciando a Ave-Maria, misturado aos resmungos que lhe são habituais.
Ela não respeita horário nem se preocupa com os outros.
Movimenta-se pela igreja, parando aqui e ali, examinando imagens e quadros da via-sacra. Ora ajoelha-se e ergue os olhos suplicantes, ora caminha entre os bancos despertando piedade e, muitas vezes, com rapidez, dirige-se ao altar-mor, como se numa investida ousada, pudesse distrair a devoção atenta do Ministro de Deus. Perambulante, faz de sua visita ao Templo Sagrado uma incansável maratona.
De repente, como se impulsionada por mola automática, alcança a saída. Abandonando o local, caminha pelas ruas da cidade, resmungando coisas mil, alheia a tudo e a todos.
É louca, a coitada!
Na rua, crianças afoitas gritam-lhe o nome.
-Lili... Lili...
Ela corre como se fosse pegá-las, coloca-lhes a língua e some ao fim da rua, correndo, correndo, em busca, talvez, de um pouco de paz.