A Crônica que eu não escreveria

Sabe aquela hora em que você acorda, olha pro lado e sente uma vontade de escrever? Ah...já sei você não é como eu...que pra matar essa vontade, até se sujeita a gravar áudios (moderno isso!!) o problema é que nunca mais ouço-os.

Mas vamos lá, pois meus dedos estão trocando letras no teclado, de tamanha vontade de escrever o que sinto nessa noite que antecede a Páscoa.

Na verdade, planejamos nosso feriado há um mês, que também coincidia com o aniversário de minha caçula. Então adiantei meus trabalhos na escola, para não ter que ler redações, organizei a casa, levei para o banho minha Llhasa amiga, ajeitamos o carro e estava tudo pronto. Na verdade até separei um livro para ler, pois sabia que me entediaria. Mas tudo mudou na véspera, quando apresentei um quadro de virosel. Confesso que já tive gripe de todo jeito, até catapora, caxumba e sei lá mais qual tipo de virose. Pensou-se em dengue, H1N1, Zica, mas descartou-se com exames. Por fim internei, foi o fim do feriado... Então só hoje volto a estar lúcida (será?) e pensei que, como os grandes escritores (olha a minha ousadia) que durante momentos de tristeza e angústia deixaram grandes obras, era a minha chance de aproveitar de meus delírios de febre, que foram muitos, e fazê-los úteis, pois variando, falei sozinha, mas não consegui gravar. Agora lembro que gostaria de deixar uma carta. Nos momentos de delírio, pensei que ia morrer e pensei em uma carta, que seria mais ou menos assim:

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Caros, Familiares, Amigos, Colegas, Conhecidos e Desconhecidos,

(muita ousadia, pensar que teriam tantos assim ali presentes, mas vamos lá...)

Começo pedindo desculpas por estarem aqui em um dia tão impróprio como esse. O problema é que, bem que tentei, mas meu frágil corpo (nem tão frágil assim) tinha data de validade.

Pensei escolher um domingo à noite, mas já seria o fim do descanso, do churrasco, chegando de viagem, do clube, na hora do Faustão, e quem sou eu pra competir com o cara. E os que viessem teriam uma segunda com muitas histórias para contar, complicado porque seria um tédio repetir de meia em meia hora para todos os outros que nem souberam e estavam curiosos.

Pensei que um dia bom, seria segunda pela madrugada, aí vocês poderiam aproveitar e não trabalhar o resto do dia, mas isso seria bom só pra vocês, porque o patrão não gostaria e pior era se nenhum viesse, por já estarem no trabalho ou por medo de ter que ficar até madrugada e não conseguir acordar cedo para trabalhar, em plena terça feira.

Pensei também na sexta à noite, assim o patrão não teria prejuízo, mas vocês ficariam tristes o fim de semana todo, seria muito injusto. Ah...e se vocês nem ficassem sabendo?

Pensei no início de um feriado prolongado, mas o estrago seria muito maior, porque os poucos que aqui estivessem, teriam sacrificado momentos de descanso e os outros, quando soubessem já seria o sétimo dia, porque já haviam pegada estrada e não voltariam por algo tão banal.

Pensei também, como sempre gostei de dizer para meus alunos, que bom mesmo seria em sala de aula, então talvez a diretora liberasse todos e apareceria até na TV, mas ficariam com trauma e a escola teria prejuízo, porque alguns alunos sairiam,com medo de minha alma penada. Isto é se não ignorassem o fato, por se tratar uma pessoa qualquer.

Pensei numa terça feira que antecede uma quarta feira de feriado, à tarde, seria perfeito! Porque assim os que soubessem teriam um breve tempo para me visitarem, lamentar meia dúzia de lágrimas de crocodilo, aí iam embora dormir, no dia seguinte teriam um tempinho, se assim desejassem pela manhã, até dava para marcar com amigos um futebol no clube ou um chope e poderiam descansar para quinta continuar o batente, normalmente. E o nosso patrão não teria prejuízo.

Como vêem não conseguia decidir pelo dia...

Desculpem-me. Não consegui ser tão organizada em minha vida e desorganizei a sua vida.

Fui.

P.S.

Deixei um testamento dentro de meu livro preferido. E se você é meu amigo de verdade, sabe qual é. Encontre-o e terá toda a minha fortuna.

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Olha minha ousadia tamanha tentando passar para vocês um pouco do que aprendi a amar em Drummond, quando esse mestre nos mostra que uma pedra no meio do caminho pode ser inspiração. Oh...pedra! A dele foi violenta, do tamanho de uma rocha e até de uma montanha todinha, uma verdadeira avalanche e a minha foi só uma pedrinha, um cascalhinho, uma poeira, que me fez pensar que, mesmo pequenas pedras, ou poeiras servem pra nos inspirar. O que não devemos esperar é que somente as pedras, poeiras, ou viroses tragam-nos inspiração.

(olha a ousadia)

Mas essa sou eu.