O MEDO
Por Gecílio Souza
A locomotiva da vida
Descobri que é o medo
É ele que faz do mundo
Um complicado enredo
Por ele se fala a verdade
Por ele se guarda segredo
É o patrono da mentira
Dos conflitos e do degredo
Ele molda os comportamentos
Faz levantar tarde ou cedo
Gritar ou baixar a voz
Erguer ou recolher o dedo
Abster-se da bebida
Ou beber e cuspir azedo
Fugir do menor inseto
Ou escalar o rochedo
Por ele se doa uma flor
Se atira míssel ou torpedo
A boa e a má conduta
É uma lassidão que se oculta
No cerebral arvoredo
O medo é um ser soberano
Que dita a nossa postura
O tratamento preventivo
A corrida pela cura
O altruísmo e a caridade
A ganância e a usura
O agir irreverente
A maliciosa sensura
O culto personalístico
O status e a armadura
A obediência e o comodismo
A rebeldia e a aventura
O tímido recolhimento
E a arrogante bravura
O nome em espaços públicos
A inscrição na sepultura
O museu e a galeria
O álbum, a foto e a gravura
A poupança e o consumismo
A paz e o terrorismo
Têm o medo na estrutura
O poder do medo é tal
Que ilude a percepção
Pois é o medo que impede
A sua própria admissão
Adere-se à verdade
Por medo da repulsão
Pratica-se a mentira
Temendo alguma punição
Medo da tal liberdade
Medo da indesejável prisão
Medo da dor e da morte
Medo da condenação
Medo do sol transparente
Medo da noturna escuridão
Medo de si e do outro
Medo da terrível solidão
Medo do “tenebroso inferno”
Medo de perder a “salvação”
Medo do julgamento social
Medo da reprimenda moral
Medo da má avaliação
O medo é que justifica
A esperteza e a tolice
Há o temor de morrer jovem
Todos temem a velhice
O medo percorre a vida
Desde a tenra meninice
Teme-se a exaustão da luta
Teme-se o tédio e a chatice
O medo embala a crença
Nutre a fé e a crendice
O medo irriga a virtude
Ilumina a canalhice
Se a morte governa a terra
Tem o medo como vice
O eunuco e o lascivo
Na medonha esquesitice
Andam em sentidos opostos
Mais por medo que por burrice
O medo agrega e separa
Causa danos e os repara
Nos extremos da idiotice
O medo é o regulador
Dos instintos e das vontades
Ele é a origem das tragédias
Ele é a raiz das maldades
Mas se alinha aos corações
Nas úteis solidariedades
Ele é quem conduz os súditos
E embrutece autoridades
É o salvo conduto dos homens
É a fraqueza das divindades
O medo faz construir
Fortalezas das vaidades
Por medo é que se estuda
Em colégios e faculdades
As igrejas e os botecos
São díspares realidades
Permeadas pelo medo
Em múltiplas variedades
O medo vive a circular
Fazendo a cidade elevar
Muros, portões e grades
O medo é o fiel amigo
De instável temperamento
Que jamais se faz ausente
Seja qual for o momento
Por ele se aperfeiçoa
O científico conhecimento
A previsão metereológica
E o social monitoramento
Por medo prevê-se catástrofes
Faculta-se seu impedimento
O medo tensiona as opções
Gera estresse e esgotamento
Determina o estado civil
Solteirice e o casamento
Por medo há autorestrição
Desperdício e racionamento
O medo preside tudo
Dele ninguém é isento
Negativo ou positivo
O medo é um imperativo
Que rege o desenvolvimento