Ascensão e Queda do Rei da Pica

No começo o futuro rei da Pica competia com seu pai. Este não demorava para lhe mostrar quem é que mandava. Tomava porrada, levava esculacho, mas sempre tinha o consolo da mãe.

Esta, coitada, esposa e dona de casa exemplar, aguentou a ignorância, a prepotência e o jeito violento do marido como um dever seu como mulher casada e mãe de cinco filhos.

Como dizia aquela música do padre, ela aguentou o que pode para manter o casamento. Foi uma guerreira que sacrificou sua juventude, seus sonhos e sua energia para prover o seu marido de

filhos, comida feita na hora e casa perfeitamente arrumada. O padre ficou feliz com esta mulher, pois salvou com a própria vida seu casamento. Que Deus a tenha em bom lugar.

Então o rei da Pica, encontrou um dia uma mulher que o viu como o macho protetor, como aquele da pré-história que afastava os animais e invasores na base do grito e golpes de tacape. Ele a dizia quem mandava, pelo jeito que olhava, pelo tom de voz e pelas suas sentenças em forma de opinião. Quando ele dizia "eu acho" queria dizer "não quero que façam isto" ou "prefiro que façam do meu jeito". Para o bom entendedor meia palavra basta e assim era com o Rei da Pica.

O Rei da Pica não havia percebido que vivia em outros tempos. No começo, a serva, ou melhor, esposa aguentou muitas coisas. Para ele cada porrada, insulto, desaforo e vergonha que fazia ela passar era a prova de que poderia confiar nela e não só isto, de que ele era o macho da casa.

Nada acontecia, ou deveria acontecer, ou ser falado, ou ser feito, ou ser combinado ou decidido, sem que se pensasse o que diria o Rei da Pica. Ele respondia pelos atos e pensamentos dos filhos,

mulheres e dependentes. Falava grosso com palavras curtas. Não opinava, dava sentenças. Não brincava, questionava a macheza dos outros de forma sutil. Andava arqueado para os lados, como John Wayne prestes a sacar a arma. Andava com as pernas abertas sem vergonha de mostrar o que tem e o poder que isto lhe

confere.

As mulheres, crianças e jovens perto dele, evitavam falar assuntos sérios, pois teriam que ser questionados e adequados aos pensamentos e crenças do Rei, para depois serem liberados Só haviam uma verdade naquele reino. Então falavam de trivialidades e coisas que não fossem de interesse para o macho de plantão.

Até que as poucos a mulher passou a sentir segura com ela mesma, apesar do esforço todo ao contrário. Ela passou a estudar, completar o Ensino Médio, isto depois de muitas brigas e um empurrão que não doeu nada, mas quase lhe quebrou a costela. Conheceu outro mundo e descobriu que era inteligente e cheia de potencial para se desenvolver

no que quisesse, além das obrigações devidas ao Rei.

Decidiu se separar. O Rei se ofendeu profundamente, pois a tinha como uma propriedade sua, conquistada a base dos gritos e manipulações. Era o macho protetor da casa e da vida de todos ali. O que faria com seu pênis agora?

O Rei da Pica caiu, pois não encontrou quem quisesse o favor das suas ordens, benefícios de seus mandos, suas verdades contraditórias e oportunas e a proteção contra o mundo. O Rei da Pica atirou na mulher no dia de sua formatura. Tomou alguns anos de prisão, onde fora muito difícil ser Rei da Pica novamente. O que foi feito do rei deposto eu não sei mais dizer, mas sei que ainda bancamos muitos destes reis, pela forma como criamos nossas filhas e filhos.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 14/04/2017
Código do texto: T5970292
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