O pão nosso de cada dia...
Era uma manhã fria de inverno. Ela levantou cedo. Queria fazer tudo o que podia antes do horário que as pessoas chamam de comercial. Tinha planos para aquele dia. Havia sonhado que aquele seria um dia especial.
Ficou parada por alguns minutos olhando para a sua própria imagem em frente ao espelho e fez uma breve análise sobre si própria. Não era velha, mas também não poderia ser considerada nova. Não era bonita, mas admitia que também não podia ser considerada feia, apesar dos longos anos de trabalho duro como diarista lhe cobrarem um preço, ela ainda tinha seus encantos.
A primeira coisa que fez foi arrumar a cama. Depois tomou um banho e foi para cozinha. Eram apenas quatro cômodos na casa. Dois quartos, cozinha e banheiro. O televisor de 14 polegadas ficava no balcão da cozinha. Ela ligou e ficou ouvindo o som da televisão que falava das lavouras de café em Minas Gerais. Parece que as chuvas iam prejudicar a safra deste ano. O café vai ficar mais caro, ela pensou.
Depois foi para fora e colocou as roupas para bater na maquina. Ela ficou olhando alguns pardais que brincavam, mesmo naquela manhã fria, num pessegueiro seco que ficava no quintal.
Depois foi varrer o terreiro. Não todo, apenas as calçadas de piso bruto que circulavam a pequena moradia. Minutos depois ela entrou e foi novamente para o banho. Riu de si mesma: “Eu não deveria ter tomado banho antes de fazer o serviço. Um banho desperdiçado.”
Enquanto a água quente da ducha vagabunda caia sobre seu corpo ela ficou visualizando mentalmente alguns episódios do passado. Lembrou-se da mão que já morrerá. Era uma mulher dura, daquelas à moda antiga que desde cedo lhe ensinara a cozinhar, lavar, passar e cuidar dos irmãos mais novos. Sempre que ela reclamava e dizia que ia estudar e não precisava aprender essas coisas de mulher submissa a mãe estufava o peito, olhava de cara feia e respondia: “Aprender nunca é demais.” Hoje ela sabia que essa era a maior verdade que tinha aprendido com a sua mãe.
Depois do banho tomado, roupa trocada, ela voltou para cozinha e começou a preparar o café da manhã. Esquentou a água em uma chaleira e depois coou o café preto em um bule que tinha herdado da mãe. Encheu uma xícara com a bebida preta e quente e começou a dar goles curtos.
Abriu a geladeira e pegou o único pão francês que tinha. Abriu ele no meio e depois pegou duas fatias de mortadela e pôs dentro. O cheiro da mortadela lhe fez lembrar do quanto estava com fome. Havia comido mal na noite anterior.
Colocou o pobre sanduíche em um prato e ficou encarando-o. Olhava para pão e seguia tomando o seu café. Sempre gostou de pão com mortadela. Lembrava sua infância, quando o pai saia todo o domingo para ir ao açougue e levava-a junto e ao passar por uma padaria, sempre parava para que a filha comesse um sanduíche de mortadela com café preto. Ela gostava de pão com mortadela e com a fome que estava, naquele inicio de manhã de inverno tudo que queria era devorar aquela delicia.
Um barulho em suas costas lhe fez atentar os ouvidos e virar. A filha estava parada atrás de si, já vestida para ir para escola, ainda esfregando os olhos de sono. A menina sonolenta andou até a mesa, sentou diante do prato com o sanduíche de pão com mortadela, olhou com algum desdém e começou a comer, sob o olhar triste da mãe no outro lado da mesa.
“A senhora não vai comer mãe?” A menina perguntou no exato momento em que ela tomava o último gole de sua xícara de café. “A mãe já comeu”, foi o que ela respondeu ao passo em que levantava para pôr a louça na pia, encarando a televisão que agora falava do preço do pão que deveria ficar mais caro nos próximos dias.