PROFESSOR? OU EXECUTIVO DE SALA DE AULA?
 
Eu nunca tive objetivos, diferentemente do que acontece com o mundo headhunter de hoje, jamais pensei em futuros sonhos, a minha realidade sempre me bastou; vivi sempre protegido pela sombra das capas dos livros, dos discos e da minha quieta solidão, numa época mais medieval, porém mais madura que essa.
 
Quando findaram meus parcos estudos em escola pública para cumprir tabela, eu me analisava no divã da cama de meu quarto lendo os românticos malditos do século XVIII e os filósofos alemãs. Não que entendesse muito, mas aquilo era a minha cachaça.
 
Quando enfim cursei o ensino superior no Curso de Letras, não o fiz por não ter opção, fiz por que era um desejo meu, sem deixar dúvidas. Mas os ratos não respeitam os gatos, numa transição tranquila dos estágios de ensino, como nada me era estranho, considero não ter cursado Letras, mas vivido uma linda Quimera. Quando terminei me perguntei: “E agora, o que fazer?” Óbvio que não queria ser professor... Professor? Eu?! Jamais! Assim, continuei caminhando com a humanidade com a minha mochila de humildade, sem aqueles mesmos objetivos e sonhos de antes.
 
Parece que a vocação é como uma doença terminal, daquelas que não se manifesta por um longo tempo, mas um dia lhe crucificará. Nisso, eu fui entrando num jogo perigoso, ao qual não queria participar, as chances de me tornar professor foram aparecendo, quando eu nem precisava; mas algo em mim, como a balança do comerciante ladrão, que só pesa para o lado errado, foi me levando para o lado errado também. Essa brincadeira começou há mais de uma década e até hoje estou nos grilhões desse mundo surreal. Como tentei evitar a contaminação desse mundo visceral; hoje, expandindo seu significado, prefiro arrancar minhas vísceras a sair dessa vida Dali/Buñuel.
 
Aqui, agora, faço vistas há algumas considerações das minhas frustrações, decepções, sonhos que nunca tive, dane-se! objetivos que não preciso, sei que preciso seguir os ensinamentos de Pessoa – “Somente navegar.”
O que é Lecionar? O que é “dar aulas”? Faço-me essas inferências, pois não cabem em mim a mesma visão dicionaresca das mesmas. Vejamos, então, encontrei as seguintes definições:
 
Dar aulas – Sabatinar - Submeter a sabatina; Dar - Ceder gratuitamente.
Lecionar - dar lições ou explicações de/a; Ensinar; explicar; ser professor ou explicador. (Obs.: Há quem diga não existir diferença, ou até mesmo, que o professor vende aulas, não sei, quem sabe?)
 
Eu sinto algo diferente quando alguém se refere, genericamente, ao ato que é realizado pelo professor como “dar aulas”; em minha concepção, “dar aulas” é algo mecânico, como se o profissional só existisse para aquele momento e um outro momento  paupérrimo extraclasse - basicamente, ele seria um ser autômato, criador de um roteiro para ser estabelecido em cima de um certo tempo, como num roteiro de filme, não dando chances aos alunos de explorar as passivas aulas depositadas como pedras em suas cabeças... bateu o sinal, ele diz ciao ou até amanhã; até a próxima aula e o aluno lá do canto da sala, com a baba escorrendo pelo queixo, que já vinha em bocejos antes dele entrar, sonha em desejos estar em sua cama confortavelmente com a bexiga explodindo para urinar.
 
Certo dia, um aluno me perguntou numa aula sobre o Renascimento, enquanto eu falava da lenda d’Os Lusíadas e a rapariga abandonada ao mar, zapeando em dois assuntos diferentes, eu falava sobre um filme de comédia fazendo uma leve referência ao contexto da época de Camôes; para chegar ao entendimento dos alunos precisei ser prolixo e manter o mesmo direcionamento. Assim, a pergunta foi a seguinte: – “O senhor decora essas histórias quando vem “dar suas aulas?” (Risos) Eu lhe dei uma resposta negativa e disse que simplesmente me surgiam, no verídico da minha ficção, no montante da herança que carrego por assistir muitos filmes... elas me ajudam muito; e por fim falei: “-- A minha questão, também, é que não entro aqui par “dar aulas” eu entro para Lecionar, posso até não conseguir o objetivo da tarefa em si – ensinar, instruir, alegrar, dar prazer, encantar, mas pelo menos, sentimentos contraditórios vocês sentirão.”
 
Vejo essa dicotomia bem distante da sala de aula, para não sair do foco. Lecionar para mim é algo Romântico, o professor que leciona não distribui apenas palavras conjugadas e cuspidas nos rostos dos alunos, muito pelo contrário, ele traz o aluno a gargarejar; ele sonha, ele fantasia, ele viaja o mundo em qualquer direção fazendo links através da sua vida e das vidas dos seus pupilos. Lecionar é uma responsabilidade do tamanho de um Colosso; pense como é sério ficar exposto diante de pessoas estranhas, de personalidades plurais e diferentes; o professor precisando administrar papéis não dissociativos de educador, psicólogo, amigo, ordenador, regente e sempre parecer ser simpático, usar máscaras, às vezes? Imagine como é a responsabilidade de passar os ensinamentos consumidos durante sua vida já madura, para cabeças tão inocentes e displicentes, com pensamentos em sexo, bebida e diversão? Não é fácil. Por isso vejo o tamanho da distância entre os dois conceitos; é nesse Werther que eu morro. Parece hipocrisia? É, pode ser, sim... professores são realmente hipócritas, vivem se gabando que são intelectuais mundo afora, mas o que na verdade escondem é uma dura vida maltratada do pisoteamento caótico onde todas as esferas da sociedade são responsáveis da sua sobrecarga e   que se configurou desde que pensaram ser independentes no mundo – sabem que vão adoecer por causa da profissão e, provavelmente, morrerão por ela. Mas não largam do osso, pois o ofício ao contrário dos ossos do mesmo, é uma conquista, não uma obrigação.
 
Quando alguém se sentir frustrado por ser apenas um professor, ou se sentir injustiçado pelo dízimo condenado devotado à nossa santidade, mesmo aqueles auto praguejadores falando sobre suas expectativas, tantas, todas, tudo desapareceu e não sabe como aconteceu... Bem, sem aqueles conselhos demodés encontrados em livros de autoajuda, mesmo nunca tendo passado por nenhuma dessas situações, digo: Uma profissão lhe traz frustração quando você se dedica a ela, quando você se torna parte dela e a mesma passa a ser sua vida; mas chegará o dia cuja frustração se transformará numa coisa tão esquisita, sombria, míope, que desaparecerá, pois não tem mais como se espantar com nada, já que o nada, aquilo que você acabará se acostumando a conviver, não no niilismo, mas no dia a dia, deixará de ser frustrante, virará o lixo do clichê, e você vai extirpar o chumbo radioativo de qualquer bobagem vanguardista que te empurrarem.
 
O que são expectativas? Puxa, eu nunca pensei em ser rico nessa vida, famoso, poderoso, o que eu quero eu tenho, o que eu quis e fiz me tornaram quem eu sou e para mim ainda é pouco, portanto, deleto expectativas, pois elas são como a navalha de Occam, aqueles que devotam preces as mesmas devem se acostumar em viver às margens de um mundo de porcentagens negativas. Para os atrapalhados, vos digo: “— Não foram suas expectativas que desapareceram, vocês que não perceberam o mundo da maneira real, onde, no conforto de suas confortáveis poltronas de veludo vinho assistem engenhosas propagandas milionárias de produtos industriais nas suas super tv’s de led ultramodernas, sendo enganados como otários, enquanto o leitão famoso enche o bolso; sujeitando-se a desistir da água mineral para consumir a água gaseificada contaminada com seu ingrediente secreto, ao qual todo mundo sabe que é a cocaína. Onde estão suas expectativas? Talvez devam estar na pauta do dia que nunca chega, daquele político eleito por você, cujos nomes jamais seriam lembrados depois de alguns meses em outras épocas, mas, graças à Lava-jato, hoje, todos os bois possuem suas tatuagens confessionais gravadas na testa.
 
A vida é assim, então não reclamem, pois ser professor é ter sangue nos olhos, a adaga de lampião entre os dentes quando a vida fica curta – vocês sabem do que estou falando! e, queira ou não queira, sem aquele papo boçal de que nós somos a principal profissão, pois sem nós não haveriam as outras. Sabe qual a verdade? Não é dinheiro, paixão, profissão, respeito ou falta de opção, pelo menos para mim, considero-me um professor hoje, porque a vocação, aquela que citei antes, comparada com uma doença terminal, me apareceu e me pegou e não vejo mais outro leste. Estou amarrado ao cadafalso da derrota ou da salvação.
Eu sou professor apenas. Morte aos executivos de sala de aula!
 
Agmar Raimundo
Enviado por Agmar Raimundo em 12/04/2017
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