Cigano

Às vezes, a gente é meio bruxo e lê as coisas antes de elas acontecerem.

Mas, a gente nem queria ser.

É que a intuição primeira parece sempre tão certa, apesar de, eventualmente, não gostar de saber disso, porque, às vezes, a certeza não deságua no mesmo mar que é a nossa vontade.

Mas, aí as músicas já começam a fazer algum sentido. Mais do que já faziam, talvez.

As luzes se apagam, as coisas não mudam.

As coisas não mudam.

Naquele dia, às lágrimas, fui, enquanto abotoava a camisa, a caminho do próximo compromisso. As mãos trêmulas já não sabiam distinguir as dores. Eram todas muito parecidas.

É que quando meus reflexos se tornaram habitué nos seus olhos, eu me vi feito. Enquanto seu sorriso, o meu melhor momento, no espelho se dança, eu te vejo, plena, pois, são dos prazeres fugazes que nos completamos.

Mas, naquele dia, as lágrimas, trêmulas, já não sabiam distinguir as mãos.

E as dores eram todas muito parecidas. Veio o respiro profundo. Nele, meu corpo se acha. No fechar dos olhos, nos vemos.

Vida e morte, enquanto a brisa fere. A noite se demora escura. O seu cheiro permanece e faz morada. Quisera fosse seu lar os prazeres fugazes de hoje.

Os olhos fecham. Vejo você, aquele mesmo céu e a fúria do seu cais. Porque é nuvem cheia em dia de sol. É a inquietude tenra de duna, que é terra, mas se move tal qual o vento que sopra seu cabelo, faz a curva, e traz de volta aquele azul.

Resta esperar, então, que as músicas parem de fazer sentido, fugir da certeza primeira e viver… Tal qual o bruxo que já viu seu próprio futuro. O problema é que o meu se reflete nos seus olhos, onde meus reflexos se tornaram habitué.

Ao fim, pois, vejo-me. Mais uma vez, às lágrimas. Só que não sei mais de quê.

Daniel Euzébio Pinheiro
Enviado por Daniel Euzébio Pinheiro em 11/04/2017
Código do texto: T5967472
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