ANJOS SUICIDAS
 
Nunca me identifiquei com os ídolos pop Renato Russo e Cazuza, desde os tempos em que ainda habitavam os confins sombrios daquela Brasília esdrúxula de Niemeyer e Lúcio Costa e/ou das maravilhosas praiasde Copacabana e de Ipanema. Escondidos pelas pichações escuras em intermináveis muros brancos, gritando o mais alto que podiam (sem vozes) contra a Ditadura presente nas vidas das classes elitizadas, morada de seus lares.
Sim, essa era a vida daqueles imberbes garotos, filhinhos-de-papai, que não tinham “Porra nenhuma para fazer” em suas cidades cosmopolitas e inospitamente esquisitas, só podendo mesmo se revoltar contra eles mesmos – A Elite.
Seus pais, em sua maioria professores universitários, diplomatas, embaixadores e funcionários de alto escalão, na escuridão do que se passava na cabeça revoltosa de seus inocentes filhos, tentavam dar-lhes sempre a melhor educação. O rock, matéria impura, incasta, não lhes chegavam sem o crivo da censura, portanto, ou era pela pirataria ou pelas mãos dos amigos, filhos dos diplomatas e embaixadores que traziam material importado. No caso de Cazuza a coisa lhe era mais simples e fácil, pois seu pai era a própria música, seu trabalho era descobrir músicos e promover a música diariamente, pois era um produtor musical, fundador da gravadora Som Livre.
Com a influência louca dos punks ingleses – Sid Vicius e do The Clash começaram os primeiros assombros horrorosos de 3 acordes em suas guitarras distorcidas, dali surgiu o maravilhoso “Aborto Elétrico” único projeto original que nunca poderia ter acabado, mas que acabou acabando para entrar para a história. E lá estava Renato Russo.
A Legião nasce das cinzas do Aborto Elétrico (Punk) e da ressurreição do Trovador Solitário Renato (Romantismo). Nesse arcabouço de misturas de ritmos e ideias, criou-se um estilo semi original, um tipo de música desenvolvida nos anos 80 no Brasil denominada como Rock nacional, dela fizeram parte grandes bandas: Titãs, Ira! Engenheiros do Hawaii, Capital Inicial e Plebe e Rude, ambos de Brasília, Paralamas do Sucesso, Ultraje a rigor e o Barão Vermelho de Cazuza. Aos poucos a Legião foi ganhando um símbolo de representantes de uma geração, e Cazuza foi relegado ao status de poeta.
No início dos anos 90, os jovens, órfãos dessa geração de 80, se sentiam desprestigiados, calados, sem forças, acamados, doentes, molestados, nem Renato, nem Cazuza, com sua “Ideologia” ou seu “Que país é este” faziam mais a cabeça daqueles adolescentes. As prioridades eram outras, existia um “cheiro diferente no ar”, algo estava para acontecer, mas estava frio, muito frio, quase à beira-mar, estávamos por um fio... e eu estava nesse precipício.
Como disse antes, nunca me senti representado por ídolo algum, quando muito, encontrava um quê de identidade nas letras dos Titãs, principalmente nos álbuns “Cabeça Dinossauro” e “Tudo ao mesmo tempo agora”. Até que, lá da agourenta e chuvosa Seattle, ouviram-se os ruídos nervosos das primeiras notas de “Smells like teen spirit”, esse era o cheiro que estava chegando e que estava faltando. Sim, para a revolução do novo mundo apareceu Kurt Cobain e o Nirvana, sem comerciais de Natal, tampouco de refrigerantes de marca; de calça rasgada, camisa quadriculada de flanela fina ou até mesmo de vestido. Aquele cara simples, louco e bipolar estampou na cara do mundo, sem pretensão alguma os novos ideais de um rockstar.
Da pequena Aberdeen, depois de ter morado debaixo de pontes, de ser expulso da casa dos pais, de sofrer o que os garotos de antes, Renato e Cazuza, não sofreram jamais, ele se jogava para o mundo. Das inquietações de uma mente perturbada, saindo dos braços do underground, quando ainda tocava apenas para amigos, formatou uma das mais importantes bandas da história da música.
Kurt foi meu primeiro ídolo, senão o único, talvez... Ele viveu pouco como ser humano, já como gênio, viveu eras; deixou um legado atemporal, uma legião de fãs que se descobrem em sua vida e em sua música.
Seu talento é tão poderoso que gerou uma outra banda bastante musculosa para a música – o Foo Fighters - de Dave Grohl, baterista original do Nirvana e vocalista/guitarrista/fundador desta.
Quando Kurt, pesado da heroína, da depressão, da pressão do sucesso, da insegurança de ser astro, da combinação sofrida de ser uma pessoa triste, em total isolamento, decidiu pôr fim ao seu sofrimento de forma tão ignorante, sem nenhum romantismo, com uma espingarda gigante contra sua cabeça, ele não disse adeus ao mundo, ele deu um foda-se a tudo.
Em suas últimas aparições em shows dava para se perceber que ele desdenhava de toda a merda que o rondava – a hipocrisia da cultura de massa que o admirava... Ossos do ofício! Ele mesmo era um tanto hipócrita, quando foi pedir a mão de Courtney Love, ele caiu de joelhos e disse: -- "Eu valho 6 milhões. Você vai se casar comigo, bitch?" Tudo bem, e quem não é? O que sei é que quando ele morreu, morreu comigo meu espírito juvenil.
Era uma terça, não tínhamos em casa tv fechada, e a aberta era muito ruim, internet era um planeta em descoberta, ou seja, as informações... jaziam. Eu vivia trancado em meu quarto ouvindo justamente o “Nevermind”, o clássico, portanto de nada sabia, foi quando uma luz refletiu naquele espaço e uma voz ecoou: -- “Kurt se suicidou!”
Confesso que não segui as cinco fases do luto: Negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Foi-me assim – Assombro, catatonia, descrença, muitas lágrimas, depressão e não aceitação.
O que acho mais engraçado, hoje, é que aquela que se tornou a música da geração de 90 – “Smells like teen spirit”, tradução (Cheira a espírito juvenil) -, não possuía a real intensão que pretendíamos dar a mesma: Kurt a escreveu para uma garota que usava um perfume chamado “Teen Spirit”, pode?
 
Agmar Raimundo
Enviado por Agmar Raimundo em 11/04/2017
Reeditado em 11/04/2017
Código do texto: T5967463
Classificação de conteúdo: seguro