ELES PISCARAM PARA MIM
Naquela quarta-feira ao sair da aula fui pensando como nos tornamos transparentes, ao pegar o ônibus sempre dou bom dia, boa tarde e boa noite, são hábitos meus de enxergar as pessoas que estão a minha volta. Porém com a correria do dia a dia percebi que estou perdendo essa característica, fiquei me analisando dentro do ônibus.
Assim como os outros eu me isolava a ponto de ter medo de olhar no rosto das pessoas, ligando o fone de ouvindo criava um mundo só meu, os outros apenas eram rostos sem formas em movimento. Isso não é bom, somos seres humanos que a cada dia estamos perdendo nossas relações pessoais, viramos pessoas robóticas. Com isso em mente, saí do ônibus e entrei no metrô, comprei uma pipoca e fui observando as pessoas que transitavam ali. Assistindo suas ações e movimentos como a um filme, ninguém olhava para ninguém, então me sentia a vontade de observá-las. Estavam todos ocupados com sua pressa de chegar a algum lugar.
Três deles me chamavam atenção, uma mulher com o salto muito alto, uma bolsa verde e cabelo vermelho, sua sobrancelha era alta, pensei que por serem altas dava a impressão que ela estava sempre admirada com algo. Um rapaz também foi um dos que observei, era alto e vestia calça jeans e camiseta, vinha com seu fone ouvindo alguma coisa alegre, pois balançava muito a cabeça. Pensei em cachorrinhos, uns que vendem para enfeite de carro, que não param de mexer a cabeça. Também outra moça me chamou atenção, olhava para frente sem nada a enxergar, pareceu-me triste e cansada. Tentei imaginar de onde vinham essas pessoas e para onde iriam, com certeza enfrentavam em suas vidas problemas e tinham alegrias.
Foi aí que ouvi atrás de mim uma conversa, não conseguia entender a língua, sim eram estrangeiros. O que mais me interessou foi reconhecer sem olhar que era uma língua africana. Naquele dia havia visto um filme sobre a África na faculdade, achei incrível reconhecer a língua.
Sendo uma boa curiosa e alguém totalmente sem noção, fiquei vendo e ouvindo a conversa, comendo minha pipoca e assistindo a um bom papo, é lógico que não entendia absolutamente nada, estava deslumbrada, pois a África é um dos assuntos que muito me interessa. Subi todas as escadas da estação Pinheiros prestando muita atenção na bate papo dos dois rapazes, não queria perder nada, cheguei até a andar rápido para alcançá-los.
E como diz o ditado que a curiosidade matou o gato, no meu caso foi o maior mico da minha vida, quando chegou o trem entrei e vi que os dois rapazes voltaram e entraram no mesmo vagão que eu, sentaram de frente para mim. Eu, que ainda não havia percebido nada continue a olhar para eles. Quando me dei conta eles não conversavam para si, mas sim comigo, não, não pode ser. Baixei a cabeça, olhei para os lados, tentei disfarçar e voltei a olhá-los, uma piscada de um, uma piscada do outro, meu Deus eles estão falando comigo e agora. Eles continuaram conversando e me olhando, peguei meu celular e fiquei concentrada como se minha vida dependesse disso, não quero olhar, não quero olhar, oh curiosidade meu Deus. Não resisti, levantei a cabeça e aí um deles me mandou um beijo e outro uma piscada e falou alguma coisa para mim. As pessoas começaram a perceber, ai Jesus que vergonha, estava a ponto de soltar uma gargalhada, não rindo deles, mas de mim por criar tamanha paródia.
Na verdade pude entender, que assim como eu, eles estavam atentos às pessoas a sua volta, devem ter percebido meu interesse desde o início, acredito que até pensaram que eu entendia tudo, que por isso conversavam olhando para mim. Quando comecei a ficar envergonhada e surpresa, dependendo que emoções passaram em meu rosto, foi aí que começou o pisca-pisca. Foi tenso, porque depois de umas dez piscadas e uns vinte beijos voados, não resisti e caí na gargalhada e eles também.
Nesse caso, os rapazes não tiveram a impressão que eu os estava achando exóticos, mas que eu os estava “paquerando”, mas se fosse outro tipo de situação eu talvez tivesse me complicado. Fui curiosa demais e aprendi algo disso, ao observar alguém seja discreto, pois você pode estar sendo observada também.