O impresso no bar (ou O jornal agonizando)
Terno, cartola e bengala. Com essa elegância anacrônica, ele se senta à mesa, tentando demonstrar algum resquício de arrogância, mas o que deixa evidente, em seu rosto velho e cansado, é desolação. Chama o garçom, pede uísque e confidencia ao amigo:
– Acho que estou morrendo.
O outro homem, sem tirar os olhos e os dedos do celular, concorda:
– Uhum.
– Só isso?
– Só.
– Mas eu não aceito isso. Não é certo. Não é justo. Sabe há quanto tempo estou nessa?
– Nessa...?
– No que eu faço?
– Sei. No Brasil, desde 1808.
– Pois é. São 209 anos! E em diversos outros países, sou muito mais antigo. Na verdade, não sei exatamente quando nasci, talvez exista há mais de 2 mil anos!
Pela primeira vez, o homem mais jovem (bem mais jovem) deixa o celular sobre a mesa e olha fixamente nos olhos fundos do velho:
– E você, mais do que ninguém, deve saber o que vem acontecendo nas últimas décadas. Não sabe?
– Claro que sei. Eu noticio os acontecimentos.
– Bem, já que falou sobre isso, lembra-se do que noticiou, no ano passado, no “The Independent”?
– Nem me fala. Foi triste. Em minha manchete derradeira nesse veículo, disse: “Stop press”.
– É isso. É global. A velocidade das rotativas está cada vez menor.
– E você acha que devo aceitar isso?
O velho faz menção de se levantar. Toma, de um só gole, o uísque. Bate o fundo do copo na mesa. E repete:
– E você acha que devo aceitar isso?
O jovem continua deslizando os dedos sobre o celular.
O velho provoca:
– Por que não se desvencilha desse aparelho?
– “Desvencilhar” é uma palavra velha.
Silêncio.
O velho respira fundo. Pede mais um uísque. E pergunta, vagarosamente (quase silabando), ao jovem:
– E agora, o que vai acontecer?
– Não sei. Mas posso lhe dar uma sugestão. Talvez assim consiga viver por mais algum tempo.
– O quê? – Pergunta o velho, com um lampejo de esperança.
O jovem bebe um pouco de seu chope e aconselha:
– Vista roupa deste século.