Sobre Clube da Luta
Da série "clássicos pós-modernos"
Clube da Luta é um chute no pescoço: neurônios podres no ventilador
Violência no cinema não é coisa nascida no final do último século. É um negócio muito mais antigo. Afinal, o que foi o western?
Pedagogos não cansam de falar da violência da TV e no cinema e de como isso é negativo como influência para nossas crianças e jovens. Para alguns, o fenômeno Rambo, cria da era Reagan, parece ter sido o fio divisório entre o entretenimento “sadio” e a produção audiovisual de violência gratuita. Não sei não. Não sei se Rambo é mais violento que o “Pica-pau”.
De qualquer forma, podemos citar alguns filmes pós-Rambo que souberam explorar, de forma crítica e inteligente, a violência nas telas. Oliver Stone, com Platoon, Nascido em 4 de julho, Assassinos por natureza; Martin Scorcese, com Os bons companheiros, Cassino; e até mesmo o tão criticado Quentin Tarantino, com seu Pulp Fiction e seus dois volumes de Kill Bill. O primeiro – Oliver – usou seus filmes para cicatrizar (ou cutucar) feridas suas (ou da América). Já Scorcese quis mostrar as entranhas do crime organizado, seu glamour e suas teias. Tarantino pretendeu mesmo é debochar da violência no cinema – e para tal, usou de ultra-violência, uma violência, além de cômica, quase surreal.
Dentre os muitos filmes “violentos” produzidos por Hollywood, há um que se destaca. Não pela pancadaria e pirotecnia dos “Rambos”. Não pela crítica à violência. Mas por tratar – sem maniqueísmo – dos vários tipos de violência que acometem a sociedade capitalista, como as violências psico-sociais. O filme é Clube da Luta (Fight Club, 1999), de David Fincher. É um dos mais pungentes retratos sobre os efeitos do capitalismo imbecil já produzidos pelo cinema. Clube da Luta é um filme único. Sempre que penso em meu cartão de crédito estourado, ele me vem à mente. Nesse sentido, o caótico final da trama representa exatamente a utopia de muitas pessoas. É uma trama com final feliz: otimista e libertador. O filme não obteve grande êxito de bilheteria. Não foi muito alugado nas locadoras. E não foi muito assistido na televisão. Por quê? Primeiramente por que não é um “filme de luta”, como sugere o título, e é, inclusive, pouco violento neste aspecto, frustrando os amantes do gênero. Em segundo lugar, o título não é o mais apropriado para um filme-cabeça, apesar de adequado ao enredo – o que leva muitos a pensar que se trata, exatamente, de um “filme de luta”. Outro “problema” é a narrativa, mais lenta que o usual no cinema comercial contemporâneo – isso nos dois terços iniciais.
No Brasil, o filme ainda sofreu com uma espécie de estigma, causado pelo episódio das mortes provocadas pelo psicopata num cinema de um shopping em São Paulo, onde o rapaz disparou seu fuzil contra a platéia durante uma sessão do filme. E a pergunta não calou: teria a fita, influenciado aquele ato de extrema violência? Até hoje busco respostas pra isso. Eu mesmo não quis assistir ao filme na ocasião do lançamento, tamanho o choque que sofri em decorrência daquilo. Mas há relação do filme com o ocorrido? Pode ser que não – afinal o assassino sofria de distúrbios psíquicos. Mas pode ser que sim. Assim como há os relatos de crianças que saltam do décimo andar brincando de Super-homem. Uma criança que assiste Superman pode sentir vontade de voar – quantas vezes eu mesmo senti. Desta forma então, Superman seria um filme ainda mais perigoso que Clube da Luta ou Rambo, porque aí estaríamos falando se suicídio infantil. Mas é bem verdade que não houve suicídios infantis em massa por causa do Super-homem, fora alguns poucos casos. E é bom lembrar que Clube da Luta não contém cenas de tiroteio que pudessem inspirar o psicopata. Talvez o filme tenha dois tiros. Ou apenas um – não estou certo agora. E ainda, se formos ver pela ótica da má influência dos filmes violentos, o que dizer então das novelas com seus triângulos amorosos? E os comerciais de televisão, que fazem com que as pessoas desejem o tempo inteiro possuírem coisas das quais, na verdade, não precisam – frustrando gravemente os que não podem comprar. Está tudo errado. Será que a culpa é do cinema? O cinema é um reflexo da sociedade, ou vice-versa? Essa é uma questão que dá pano pra manga. Deixa pros psicólogos, sociólogos e filósofos em geral. E, destes, para quem ainda não usou Clube da Luta em algum de seus trabalhos, aí fica a dica.
Mas, hei de convir, inócuo o filme em questão não é. São neurônios podres do homem pós-moderno jogados no ventilador. Os (anti) heróis do filme são Jack (interpretado por Edward Norton), que está decepcionado com a monotonia de sua vida, e seu novo amigo Tyler Durden (Brad Pitt), um vendedor de sabonetes que faz exatamente o que deseja com a sua. São dois opostos. O “Clube da luta” do título é uma invenção de Durden. Em algum local, homens lutam, não para vencer, mas pelo simples prazer de lutar – como uma volta ao estágio primitivo do ser humano. Uma forma estranha de busca de satisfação e auto-conhecimento. Para Jack, o clube é uma alternativa de livrar-se da roda-viva capitalista, mostrando-se bem mais eficaz que os grupos de auto-ajuda que ele vinha freqüentando. Mas lutar como lazer e catarse não é o único objetivo de Tyler Durden, líder do clube. Ele tem projetos mais ambiciosos. No entanto, este é o tipo de filme em que não se pode contar muita coisa – é claro, estou me dirigindo principalmente a quem ainda não assistiu, e sei que muitos não viram – , pois há algumas boas surpresas no roteiro extraordinariamente estruturado. Mas o clima não é barra-pesada. Apesar de tratar da violência, o filme tem muito humor. Negro, mas tem. E não há violência como um nervo exposto à la Tarantino. É um filme “também” sobre a violência. Mas não apenas isso. É sobre a mente humana. E sobre o que o mundo capitalista fez com a mente humana. As situações são realistas e alegóricas ao mesmo tempo. Por exemplo, é compreensível o comportamento de Jack, levando-se em conta a paranóia do universo urbano em que está imerso. Há também, na vida real, muitos canalhas simpáticos e carismáticos como Tyler Durden. Mas quem vê o filme percebe: na soma de tudo, a situação filmada é insólita, só mesmo num filme acontece aquilo ali – aquilo que eu não posso dizer aqui. Pode até acontecer, mas não exatamente daquela forma.
Quando à hipótese de um filme como esse gerar violência, ainda não cheguei a uma conclusão. Pode até ser que sim, para algumas pessoas extremamente sugestionáveis e com tendências violentas e rebeldes. Mas Tyler Durden não é mais cruel que o Pernalonga ou o Pica-pau. E uma coisa é certa: Clube da Luta gera mais reflexão que a maioria das produções milionárias que vêm sendo produzidas ultimamente. É um filme que faz pensar. Pensar muito. E pensar é um ato humanista.
Luciano Fortunato, 37, cantor, compositor e cinéfilo.