Na segunda-feira...
Ele acordou pela manhã, naquele seu domingo de folga e resolveu repensar na vida. Eram seis horas da manhã, queria atentar-se para o som de algum canto melódico de um pássaro qualquer, mas o único barulho captado por sua audição foi o dos carros que seguiam naquele vai e vem desesperado de quem parece estar sempre atrasado.
Se alto olhou em pensamento e percebeu que aos 40 anos ele não era nada do que ele tinha imaginado que seria quando era jovem. Estava velho e desgastado pelo trabalho duro e pela necessidade quase irresolvível de ter que ganhar cada vez mais.
Enquanto estava sentado na mesa da cozinha ao passo que lambuçava uma fatia de pão com margarina barata e sentia o cheiro do café preto na xicara a sua frente, se perguntava por que aquela altura da vida ele não tinha nenhuma aventura que fosse capaz de fazer com que as outras pessoas lembrassem nele depois que ele se fosse?
Olhou para sua esposa. Mãe de sua única filha. A sua menina que nem sua era mais. Hoje aos 16 anos ela ficava mais tempo na casa do namorado do que na sua própria casa; “filha ingrata” ele pensou. A esposa, diferente dele ainda era muito bonita, e ele sorriu; “natureza ingrata”, pensou, “eu também deveria ter ido para academia e parado de beber coca e cerveja”.
Deu-se conta ali naquele exato momento que aquela não era a sua vida. Estava preso numa vida que ele não queria e não reconhecia como sua; em um corpo mal cuidado que ele agora admitia não era seu, pai de uma filha que apesar de sua, em nada se parecia com ele e casado com uma esposa que apesar de ama-la e agradece-la pelo companheirismo não lhes despertava nada em termos de paixão nos últimos 20 anos.
Naquele momento ele se deu conta. Aquele não era ele e aquela não era a sua vida e então decidiu, “eu vou mudar tudo”. Vou pedir demissão do meu trabalho injusto e cansativo, vou me separar da minha mulher, vou pegar o meu carro, meus pacos recursos e vou me embora. Não importava para onde, ele apenas queria ir.
Durante a tarde quando via um jogo do seu time na televisão, se deu conta que nem de futebol ele gostava. Na verdade queria estar jogando vídeo game, mas não era isso que um pai de família fazia. Enquanto tomava mais um gole de cerveja imaginou o grande numero de bebidas que nunca tinha experimentado. Isso ia acabar, ele decidiu, eu vou mandar tudo a merda e vou começar a viver. Chega...
Enquanto jantava, por duas ou três vezes teve vontade de contar para a mulher que tinha decidido que iria embora, que ia viver a vida, experimentar bebidas que nunca tinha bebido, dormir com mulheres que nunca tinha dormido, conhecer lugares que nunca tinha conhecido, sorrir o que nunca tinha sorrido. Não, vou esperar para amanhã; ele pensou; amanhã é segunda e a segunda-feira é um maravilhoso dia para se começar algo, e seria na segunda que ele começaria a sua vida nova.
Durante a noite enquanto a mulher dormia ao seu lado, fazendo o mesmo ronco e grunhido que ele ouvirá nos últimos vinte anos sem nunca reclamar, ele sentiu seu coração bater num ritmo alucinado por tamanha empolgação que seus planos lhes rendiam.
Talvez ele comprasse uma barraca e fosse morar em alguma praia. Tomaria banho de mar, correria na orla e venderia aquelas pulseiras feitas de miçanga para sobreviver. Um homem não precisa de muito para ser feliz. Ele não precisava de nada além da vida dele de volta. A segunda-feira seria o grande dia.
E ela chegou. A tão esperada segunda-feira. Ele levantou cedo. Olhou para o teto do quarto. Olhou para a esposa dormindo na cama. Sorriu. Foi ao banheiro, escovou os dentes, vestiu sua roupa de trabalho, se abaixou ao lado da cama, beijou a testa da mulher e falou: “Vou indo querida, até a noite”, ela resmungou alguma coisa inaudível e ele saiu, pensando na cansativa jornada que teria pela frente e já torcendo para que o próximo domingo chegasse rápido.