ABRAÇO DE ESPERANÇA
Quando acordei, olhei para o lado e vi muitos pés a minha frente. Era por volta das sete horas da manhã. Eu estava deitado ao chão, no meio de um barulho ensurdecedor. Carros, buzinas e pessoas gritando ao meu redor! Não entendi o que havia acontecido, somente tinha uma certeza - eu não sabia quem eu era e o que fazia ali! Levantei-me, percebi que estava aos trapos e com os pés descalços ao chão. E somente tinha à minha mão uma vasilha e uma sacola. Então olhei para os quatro lados e direcionei-me para uma sombra, um local menos tumultuado para que eu pudesse me concentrar um pouco e pensar no que faria naquela situação. Ao chegar perto de um possível comércio que estava fechado, fiquei ali embaixo da cobertura para me esconder um pouco do sol, pois eu estava bastante suado. Tentei fitar alguém na rua com o olhar para ver se eu conseguiria identificar algo. Mas nada aconteceu. Estava com um leve incômodo próximo à nuca, do lado esquerdo da cabeça. Não sei se eu tinha caído ou o que acontecera.
Passei a mão por todo o corpo, pela roupa esfarrapada e bastante encardida. Sem saber o que eu iria fazer, comecei a chamar pelas pessoas que passavam a minha frente para saber que dia era e perguntava para um e outro onde eu estava. Mas alguns somente me olhavam de longe assustados. Uns corriam de mim, outros falavam mal e ameaçavam chamar pela Polícia. Então eu me distanciei, voltei-me para o canto e no interior da minha mente tentava mais uma vez fazer outras perguntas, contudo até aquele instante sem respostas claras sobre mim e sobre tudo aquilo que eu estava vivendo. Em minha mente eu tentava estabelecer uma âncora com o passado, buscava respostas sobre o que fizera com que eu estivesse ali daquele jeito, naquele lugar desconhecido. Parecia que nada se encaixava. Logo a vontade que se tinha era somente de desespero. Eu não sabia se começava a gritar, a chorar ou a rir sem parar. E no espelho dos meus olhos só havia mais rostos, automóveis e buzinas, correndo de um lado a outro.
As horas iam passando e eu sentado ali no canto sozinho. De repente senti uma vontade muito grande de comer. Ao mesmo tempo sentia um cheiro bom de comida que saía de restaurantes lotados, próximo àquele encontro de avenidas. Quando não me aguentava mais de fraqueza, sono e fome, alguém parecia que estava me chamando e demonstrava interesse por mim, perguntava pelo meu nome, o que eu fazia ali, abandonado, sujo e aos molambos. Eu não sabia o que responder e nem tinha forças para isso. E naquele momento uma sensação de expectativa começou a invadir o meu ser, pois desamparado como eu estava, sem memória, sem apoio, sem ninguém, uma alma viva teve piedade de mim, se compadeceu e parecia ter vindo ao meu encontro para me valer e trazer um pouco de alento para a minha vida solitária e sem rumo. Tudo começou a ter um novo sentido, quando a moça chegou até mim e me deu um longo e forte abraço. Naquele minuto eu senti que havia esperança e que a vida poderia ser bem melhor!
Caríssimo, leitor! O enredo acima é uma narrativa fictícia em que um homem por questões desconhecidas estava desamparado na rua, vivendo totalmente como um mendigo. Chama-nos a atenção que ele também parecia ter problemas mentais que o impediam de saber qual a própria identidade, o seu passado e se possuía família ou não. Por outro lado, analisando os sobrescritos, podemos inferir preliminarmente que a sociedade hodierna é por muitas vezes hostil e não é solícita com o próximo. Vivemos ainda, conforme podemos compreender, em um corpo social de iniquidades, de ilícitos, em que os que se acham os “espertos” buscam tirar proveito de tudo. E não é raro presenciarmos situações como esta que fora apresentada, em que um morador de rua precisou da ajuda e que em um primeiro momento ninguém se prestou a isso, por medo, por vergonha, por não querer dispor de seu tempo para os outros desconhecidos. Felizmente existem os que buscam a salvação espiritual e resignação através da doação de seu trabalho voluntário para acudir aos que mais precisam. Aquela moça era uma mulher que constantemente doava seu tempo para socorrer os mais necessitados nas ruas, nas calçadas, nas comunidades carentes e foi o grande milagre do mendigo. Vale revelar ainda que aquele mendicante, antes de sua deficiência, foi um grande médico que atuou, ajudando a muitas pessoas durante trinta e cinco anos de sua carreira profissional. Todavia por um infortúnio da vida, um dia ele sofreu um acidente de trânsito que o colocou naquela situação juntamente a sua família que se fora. E em sua memória, talvez em razão do grande impacto físico e emocional, apagaram-se todas as suas lembranças. E foi então que ele se tornou um pobre andarilho que perambulava dia e noite sem saber o seu rumo, mas que se entendia como amigo da noite, companheiro do dia, amante do evento e apreciador incessante da natureza. Será que todos nós naquela situação o ajudaríamos?