A cura do mal dos jurarapes
Dormi Marsov e Marcelo Lençol são colegas inseparáveis. Desde que se conheceram, no Instituto de História Aplicada de Ilhéus, estiveram sempre juntos em suas pesquisas de campo, profissionais, amadoras e recreativas
De origem bielorussa, Dormi Marsov foi importado por seu pai pouco antes de nascer, quando ele trouxe sua mãe para a Bahia e fundou aqui a Marsov & Marsov Companhia de Advogados, numa inédita parceria consigo mesmo. Dormi sempre foi fascinado com os acontecimentos do passado, que pareciam fazer tanto sentido quando comparados ao presente semi-caótico em que vivia.
Marcelo Lençol era só mais um baiano de família típica do século XXI: seus pais tiveram um casamento arranjado, ambos só estudaram até o 4º grau, e ganhavam a vida jogando videogames. Marcelo sempre estudou na escola mais próxima de sua casa e escolheu entrar no Instituto de História depois de ir no bar com seu professor de biomecânica e não aturar a exatidão de suas histórias. Cursando História ele se sentia livre para inventar e imaginar o que ocorrera.
No Instituto optaram pelas disciplinas mais tradicionais, como Réplicas de Eventos Históricos, Tréplicas de Eventos Históricos, Fábulas para Livros Didáticos e História da Eletricidade Inteligente. A diferença de atitude de ambos os tornava perfeitos para trabalharem juntos, pois conseguiam enxergar uma questão em dois ângulos opostos e contradizentes, fomentando calorosas discussões.
Com a proximidade de suas formaturas chegavam as ofertas de trabalho, mas eles não queriam se distanciar. Optaram por uma carreira simples como pesquisadores zoobotânicos de campo, criando histórias e lendas sobre novas espécies descobertas em suas viagens pelo globo. Foi numa dessas viagens que descobriram o jurarape-agudo.
O jurarape-agudo é muito parecido com o jurarape comum, é, porém, menos grave. Sua picada doía apenas 40 minihitlers, logo foi descoberto. Mas o mais perigoso dos jurarapes são as histórias falsas que contam.
“A Austrália foi descoberta por Pedro Álvares Cabral em oitocentos antes de Cristo!” a cara de pau dos jurarapes fazia historiadores comuns se contorcerem de desânimo. “O Rei João Paulo Segundo fez um acordo com o Império Escocês pela libertação da Princesa-escrava!” pela segunda ou terceira frase a depressão já batia níveis perigosos. “O Primeiro Jurarape se tornou Governador da Califórnia aos 62 anos de idade.” aqui, Lençol desmaiou.
Dormi Marsov, porém, foi acometido por uma brilhante fabulação, acordou seu colega e lhe disse: “Os jurarapes abrem portais para outros universos, as histórias que eles contam são reais por onde eles estiveram!”
Desde então, ouvir uma história íngreme de um jurarape, agudo ou não, se tornou sinal de boa sorte entre os habitantes lusófonos do Brasil. Ninguém traduziu a lenda para o francês, pois gostamos de vê-los sofrer. Pela cura do Mal dos Jurarapes, Marsov e Lençol receberam 4 mil libras cada, e o patrocínio da margarina Doriana em suas expedições. Publicaram apenas dois livros, A História da Cura dos Jurarapes e A Réplica da História da Cura dos Jurarapes. São considerados como alguns dos pesquisadores mais irrelevantes de todo o ramo, no Brasil, considerando o âmbito e impacto de sua obra.
Ou pelo menos é isso que um livro de História me disse.