TRANSLUCIDEZ: ENTRE O VOTO E O AMOR (“O amor é a força mais sutil do mundo.” - Mahatma Gandhi)
Era um domingo de sol, mas eu não sentia o calor. Sentia apenas o frio na barriga, a tensão no peito, a dúvida na mente. Era dia de votar, e eu não sabia em quem. Na verdade, eu sabia, mas não queria. Queria poder escolher outro candidato, outro partido, outra proposta. Queria poder escolher outro país, outro mundo, outra realidade.
Mas não podia. Tinha que encarar a urna, aquele monstro de metal que me olhava com indiferença, esperando que eu digitasse os números que selariam o meu destino. E o destino de milhões de brasileiros, que como eu, sofriam com a corrupção, a violência, a desigualdade. Que como eu, sonhavam com a liberdade, a justiça, a paz.
Respirei fundo, tomei coragem e fui. Entrei na fila, peguei o título, apresentei o documento. Caminhei até a cabine, apertei os botões, confirmei o voto. Saí aliviado, mas não satisfeito. Tinha cumprido o meu dever, mas não o meu desejo. Tinha votado no "menos pior", mas não no melhor. Tinha votado com a razão, mas não com o coração.
O coração, aliás, estava em crise. Não bastasse a angústia política, eu ainda tinha que lidar com a angústia amorosa. A pessoa que eu amava, que eu pensava que me amava, tinha votado no outro candidato. No candidato que eu detestava, que eu temia, que eu repudiava. Como era possível? Como podíamos ser tão diferentes? Como podíamos nos amar?
Tentamos conversar, argumentar, compreender. Mas era difícil. Cada um tinha seus motivos, suas crenças, suas convicções. Cada um tinha sua visão, sua opinião, sua posição. Cada um tinha seu direito, seu respeito, sua razão. Mas nenhum tinha a solução.
O segundo turno chegou, e com ele a decisão final. Eu votei no mesmo candidato, ela no outro. Eu torci, ela também. Eu sofri, ela também. No final, um ganhou, outro perdeu. Eu comemorei, ela chorou. Eu abracei, ela se afastou. Eu tentei, ela desistiu. Eu fiquei, ela partiu.
Foi duro, foi triste, foi cruel. Mas foi necessário. Percebi que o amor, por mais forte que fosse, não era suficiente. Era preciso ter afinidade, compatibilidade, reciprocidade. Era preciso ter diálogo, respeito, tolerância. Era preciso ter mais do que amor. Era preciso ter paz.
As eleições acabaram, mas a vida continuou. Os problemas persistiram, mas as soluções também. Os candidatos se foram, mas os cidadãos ficaram. O amor se foi, mas o coração ficou. E com ele, a esperança.
A esperança de que as coisas possam melhorar, de que as pessoas possam se unir, de que o país possa crescer. A esperança de que eu possa me reinventar, de que eu possa me abrir, de que eu possa me amar. A esperança de que eu possa encontrar alguém que me complete, que me apoie, que me aceite. Alguém que vote comigo, que sonhe comigo, que viva comigo.
As próximas eleições se aproximam, e com elas a oportunidade de fazer diferente, de fazer melhor, de fazer valer. A oportunidade de escolher com consciência, com responsabilidade, com coerência. A oportunidade de escolher com a razão e com o coração. A oportunidade de escolher o amor.