Assim ou ...nem tanto. 87
O Insulto
“Mentiroso, mentiroso, mentiroso! O que escreveu não viveu, o que conta não existe. Todas as palavras eram para me enganar a mim que sou de fé e odeio a mentira. Um absurdo. Um nojo.” E, de repente, desaparece o sol e o dia, fechado e triste, pesa mais com o arrastar das horas, com o carregar da realidade que nunca mente, nem se suaviza, nem – tão pouco – deixa que uma réstia de doçura venha a terreiro pegar na minha mão, dar-me um abraço, chorar comigo. Pessoa era um fingidor ? Mentem todos os poetas? É gente proscrita aquela que pensa na trama que nos empolga, que nos ilumina, que nos leva ao sonho, à saída de nós mesmos e da nossa angústia? Deveriam ser recolhidos os romances, as novelas, as histórias de duendes e fadas, de super-homens, os poemas de amor? Pergunto por perguntar por saber já, como muitos, a resposta certa. E, contudo, por tão profundamente se poder viver um escrito, por se acreditar que só poderia ter sido criado para nós, nos desencantamos tantas vezes com o real e nos achamos com direito à revolta e ao insulto. Nenhum poeta merece confiança, nenhum escritor é fiável ou, regressando ao escrito com os pés assentes na verdade que temos como possível, aceitar que somos um no meio de tantos que leem, que sentem, que amam as palavras que representam a vida mas não são a vida. Como diria Rita Pais, conto a história mas não faço parte dela.