O real descobrimento
Tam tanta... tantatantan... –Atenção, interrompemos nossa programação para informar que o Brasil acaba de ser descoberto. Essa é uma notícia que certamente abalará os alicerces da Pátria Mãe Gentil. Ao contrário do que diziam os livros de história, o nome é o mesmo, mas o fato não seu deu na Bahia e, sim no Rio e o mês não fora abril e sim, janeiro.
Alvo de investigações advindas da Corte paranaense, Cabral se viu de repente e involuntariamente, realizando o feito extraordinário, e como sozinho não há humanidade, para que haja é necessário ao menos dois, o feito retumbante se deu não com a ajuda de Vasco da Gama e sim de Batista, figura bastante conhecida no mundo a fora em matéria de navegações econômicas. Voltaremos a qualquer momento com mais informações... tam... tanta... tantan... tanta...
A Nação de pele amorenada – e também ala dos que se consideravam europeus –todos receberam a notícia sem muito entusiasmo, afinal em matéria de descobrimentos já estavam acostumados a pelo menos a uns dois anos, desde que o revisor de história brasileira iniciara suas investigações com o apoio incondicional do PSDMB (Partido Solitário da Moralização Brasileira), desde então o país não fora mais o mesmo. Sentado no sofá com alguns cadernos ao lado e outro no colo, Menino, cujo o nome não importa, podia ser qualquer um, mirou a televisão com ar de perplexidade, tinha pouca idade ainda estava no sexto ano do fundamental e, era fundamental dominar a matéria de história, pois seu tio professor da disciplina, vivia dizendo isso a ele, e o ouvia atentamente por admirar aquele homem de semblante depressivo, como era comum em todos os professores de Rede Pública naquele país, ficou paralisado... meu tio me paga, pensou consigo mesmo ao ouvir a boa-nova, ele sempre me disse que o descobrimento tinha sido na Bahia e em abril, agora essa, vou ter que mudar tudo...
Nos bares, nas padarias, nas esquinas, nos salões de beleza, nos coletivos, no trem, no metrô, a avó fazendo tricô, nas escolas e universidades, no campo e na cidade, o comentário era sempre o mesmo... então foi assim, é assim que funcionam as coisas... que pouca vergonha... repetira tantas e tantas vezes a Nação indignada...
Na farmácia um pessimista de espirito vencido pela desesperança ao ouvir a notícia na televisão e, como quem condena um convalescente à morte, disse –para esse país não tem remédio, estamos perdidos...
Tam... tanta...tantatantan... Voltamos diretamente do Rio onde o Brasil acaba de ser descoberto, com mais informações...
Nesse momento podia-se visualizar no canto superior da tela, enquanto o repórter passava as informações, o descobridor cercado por um número impressionante de repórteres, todos falando ao mesmo tempo querendo algum tipo de declaração que tornasse ainda mais espetacular o tal acontecimento. Ele seguia acompanhado por essa multidão de repórteres como se fosse uma celebridade do cinema hollywoodiano –não fosse, é claro – pelo fato de duas pulseiras de prata limitarem os movimentos de suas mãos. Ao seu lado agentes do corpo militar federal, o que dava a cena um caráter de pintura de Pedro Américo, e que certamente entrará para história. O povo de miscigenada cor –e também os que se achavam europeus, é bom enfatizarmos mais uma vez, para que ninguém se ofenda –repetiam em alto e bom tom munidos de sua consciência política –raquítica, diga-se de passagem –num acalorado coro... ladrão... ladrão... ladrão...
Um motorista de taxa ao ouvir pelo rádio o infortúnio, virou-se para o passageiro e disse...
Isso é um país de merda, não é...
O quê... –perguntou distraído o passageiro que estava mexendo no celular.
Não ficou sabendo, está em todos os noticiários... o Brasil finalmente foi descoberto, agora eu quero ver o que eles vão fazer... essa gente ordinária...
O Brasil... descoberto, como assim...
Pegaram o Cabral acompanhado do Batista aportando no Rio, agora os livros de história serão retificados...
Ah, pera aí... –disse o taxista e aumentou o volume do rádio...
Com Cabral foram encontradas muitas barras de ouro...
Ué –interrompeu o passageiro –mas quando Cabral chegou aqui não encontraram nada a não ser os nativos...
Pois é meu amigo, as coisas mudaram...
Já era noite alta quando mais um Tam... tantan... tantantantan... adentrou às casas da brava gente brasileira para mais uma informação urgentíssima... Batista, grande navegador econômico, conhecido em todo o mundo acaba de desembarcar no aeroporto e, promete esclarecer com detalhes, tamanha descoberta... nesse momento o repórter se calou e de súbito entrou a imagem do próprio Batista cercado de microfones, como se fosse mosca em cima da merda, seu semblante glorioso, não dava ares de nenhuma preocupação, apesar de saber que as pulseiras de prata o aguardava...
Hei, Batista... Batista... –disse uma repórter que conseguira vencer o cerco e chegar até o grande desbravador e, perguntou.
Como você se sente fazendo parte desse momento histórico do País...
Eu só espero que daqui pra frente, não tenhamos mais que pagar propina para termos nossas licitações aprovadas...
Então o senhor está querendo dizer...
Querendo não, estou afirmando...
Enfim, afirmando, que nesse país as licitações são fraudulentas...
Exatamente, minha senhora...
Então sem propina não há a mínima possibilidade de vencer uma concorrência...
De maneira nenhuma... foi assim que Cabral chegou aos diamantes que ele coleciona...
Mas, pelo que consta nos livros de história, levou-se muito tempo para encontrarem diamantes em terras brasileiras...
Pois é, mas pelo visto as coisas mudaram...
O país descoberto foi parar nas manchetes dos jornais do mundo inteiro, não tinha mais como se cobrir, a vergonha estava estampada, não na cara dos políticos –é claro –mas na cara das pessoas que sonharam encontrar o paraíso no país que já fora do futuro. Meses depois, a gráfica nacional mandara tirar de circulação todos os livros de história, para inserir em suas páginas o real descobrimento.