PÉ DE LIMA, PÉ DE LIMÃO...

PÉ DE LIMA, PÉ DE LIMÃO...

"Pé de lima, pé de limão, / o amor

é meu, / 'tão dizendo que não"!

("chula" tradicional de Capoeira,

com 2 ou 3 melodias diferentes.)

Há um consenso no Mundo de que "não tem nada melhor do que trabalhar no que gostamos de fazer". Isso raramente acontece na vida de cada um, são poucos os com o privilégio de atuar no ramo ou atividade que adoram. Curiosamente, os donos de "sebos" (ou brechós) já tinham inclinação para esse tipo de comércio desde jovens... quem trabalha com livros ou discos usados é/foi normalmente um artista -- mesmo que esporádico ou amador -- ou então um "escritor bissexto", um "poeta de gaveta", que produz "rabiscos" líricos sabe-se lá quando.

Em meus primeiros dias em Belém (1987/88) tive o prazer de conhecer um jovem que, pouco tempo depois, fundaria seu próprio negócio de livros usados -- numa das ruelas do centro comercial da Capital, se bem me lembro -- e que foi mudando de lugar conforme as conveniências e"premências" do mercado. Até onde sei, está hoje num "canto" da bela Praça da República, felizmente ainda com livros, entre várias outras "coisinhas".

Mas o conheci no fragor das "batalhas" pela sobrevivência da associação de escritores da capital, a na época famosas APE, praticamente "rachada" entre 2 grupos, o dos fundadores, autores de conceito quase todos e a "arraia miúda", a grande maioria, sem voz nem vez na maior parte dos casos, quase sempre "alijada" das revistas oficiais e de uma coletânea produzida às pressas na época, como "resposta" às acerbas críticas de "uns quantos".

Entrei "de gaiato nesse navio", dei minhas "porretadas" literárias, levei outras tantas, mas pude participar de um projeto inovador e pioneiro de um jovem muito decidido e empreendedor. O recente aniversário da figura, me trouxe à lembrança boa parte dos "episódios" e o grande sacrifício do rapaz para concretizar seus sonhos.

Conheci CARLOS LIMA (depois Limma) meio que "por acidente", êle se juntara à trincheira dos que combatiam o grupo que dirigia os destinos da APE naquele momento, com o qual muitos discordavam. Não me lembro se chegamos a fazer uma chapa dissidente nas eleições de 1989 (ou 90?), porém o fato é que a "situação" venceu e tudo ficou "como d'antes no Quartel de Abrantes". Em artigo de meia página no jornal DIÁRIO DO PARÁ nesse mesmo período -- junho ou julho, salvo engano -- argumentei que as taxas para participação em livros(e na revista oficial) eram muito pesadas e que para se produzir um jornalzinho modesto bastavam 10 cruzeiros (ou cruzados novos,sei lá!) dos 102 ou 105 sócios cadastrados, alguns morando no interior e até em 2 ou 3 Estados.

Enfim, para encurtar a estória, Carlos Lima "pegou o touro à unha", vendeu sua moto e produziu sozinho (ou quase) 2 números de sua excêntrica "Re-Vista Pô-Ética", com artigos dos luminares da APE, entrevistas e também a produção descompromissada de escritores iniciantes, eu entre êles. Cedi meus préstimos no momento da diagramação, arrisquei até uns "rabiscos" à guisa de ilustração e acreditávamos que os associados em peso iriam abraçar a novidade... afinal, era justamente o espaço cuja ausência tanto reclamavam. Os escritores ignoraram olimpicamente o número inicial, deram às costas ao segundo exemplar e o terceiro -- com entrevista exclusiva de Paes Loureiro, crítico sensato e iluminado daquele momento trágico (?!) para a Literatura na capital -- jamais foi retirado dos depósitos da IOE, a Imprensa Oficial do Estado.

Pouco depois, esvaziada e inativa, a APE "naufragaria" para não mais voltar às atividades. Antes disso Lima lançara um arrojado painel com um poema seu sobre anjos, com ilustração do quadrinista Branco Medeiros, se não me falha a memória senil. Lamento até hoje ter extraviado aquela obra-prima, que poucos possuem atualmente, em Belém. Com o sorriso de sempre, Lima segue fazendo o que adora trabalhar com livros... provavelmente revendendo obras usadas dos mesmos escritores que ignoraram seus esforços para que Belém tivesse uma revista literária, que certamente não foi a primeira mas pode ter sido a ÚLTIMA, "na terra do já teve!".

"NATO" AZEVEDO (escritor, poeta e compositor) - 3/abril 2017