Ela e a estrela branca
Um dia ela simplesmente se lembrou que havia guardado um tecido vermelho, procurou... procurou... ah, está aqui... pronto, acho que serve. Sobre a mesa estendeu o tecido, de cor vermelho/censurado, naquela época vermelho era crime, no país verde e amarelo. Talvez por se tratar de uma noite extremamente escura, uma estrela amarela não seria o suficiente para iluminar o céu de anil.
Logo se valeu de um outro tecido, agora branco. Pronto aqui está –disse ela - uma estrela que brilhará nossa esperança. A bandeira passou a tremular sob os ventos fortes que sopravam nos campos de batalhas onde capitulavam, soldados do dia-a-dia nas linhas de produção, país a fora. A estrela logo foi manchada de vermelho, não do vermelho/censurado, mas do vermelho que jorrava aos golpes de cacetetes e baionetas, sob os corpos que almejavam se levantar do chão da vergonha escancarada da Nação Verde e Amarela. Era uma nova era, seria um novo chão? Tinha eu pouca idade, quando a vontade esmaecida nos olhos da Nação envergonhada, brilharam ao vislumbrarem na estrela branca, a pequena criança que haveria de nascer. Num adesivo colado no vidro dum coletivo, entulhado de gado, à moda-Zé Ramalho, eu enxerguei sua luz ofuscada pela fumaça que subia ao céu, da fogueira da indiferença dos que insistiam em dizer, que o vermelho não era sinônimo de vida, de paixão, de amor e, sim, de ascetismo, violência, desumanidade e desorganização.
Então numa certa noite, de suas mãos essa estrela saltara para o mais alto posto do céu de anil. Ela reluziu em seus olhos e, suas lágrimas eram de milhares e milhares, que enxergaram na mesma estrela a tão sonhada esperança... eu já não era criança e também pude enxergar nesse céu, o que hoje já não há...
(Em memória de Marisa Letícia)