À flor da pele.
À flor da pele.
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
1.
DUAS AMIGAS, CADA UMA EM SUA CASA, CONVERSAM AO TELEFONE. A CERTA ALTURA DO BATE PAPO, UMA DELAS COMENTA:
2.
Carla – Estamos aqui falando iguais duas matracas destrambelhadas e quase me esquecia. Deixa eu te perguntar: chegou ai, amiga, a encomenda que mandei pra você?
Larissa - Encomenda? Que encomenda?
Carla - Uma lembrancinha que enviei pelos correios. Tem uma semana... nossa, mais de uma semana...
Larissa - Até agora, por aqui, não chegou nada.
Carla - Estranho! Postei com AR. Já era para estar em suas mãos... tudo bem. Verei depois pela Internet, no site da agência, via rastreamento, por onde anda o bagulho...
Larissa - Tudo bem, Carla. Não precisava se dar ao trabalho. O que me comprou?
3.
Carla – Larissa, Kikiki... juro por tudo quanto é mais sagrado. Sabia que perguntaria. Mas, infelizmente, não posso falar. É surpresa!
Larissa - Fala amiga. Entre nós não deve existir esses protocolos.
Carla - Eu sei. Compreendo. Mas veja só. Não teria graça. Quando chegar você poderá matar a curiosidade e se deleitar.
Larissa - Ao menos dê uma pista. É de usar ou de comer?
Carla - As duas coisas. Como te conheço de velhos carnavais, você amará tanto que, tenho certeza, engolirá até o caroço... digo até a caixa...
Larissa - Matei a charada. Claro! Que mais poderia ser? Você me mandou bombons. Sabe como sou tarada por chocolates. Realmente, amiga, neste caso, nem a embalagem escapará. Sem contar no papel do embrulho...
4.
Carla - Espero sinceramente que não faça como da última vez em que lhe fiz uma graça e você usou o papel do presente no banheiro. Não direi nem uma palavra. Contudo, lhe asseguro, não é uma caixa de bombons.
Larissa - Que sacanagem, Carla! Resolveu me tirar? O que ganha tentando acabar comigo? Quer me matar? Ninguém melhor que você sabe do meu problema. Não posso ficar nervosa ou desassossegar o coração com a curiosidade. Dá uma coceira dos diabos. Lembra da derradeira crise pela qual passei? Cocei tanto, tanto me cocei que você mesma teve que me levar carregada para o hospital. Recorda dos ferimentos que provoquei por todo o corpo em decorrência de meter as unhas na pele até sangrar?
5.
Carla - Como poderia esquecer Larissa! Foi horrível. Lembro perfeitamente de tudo. Pela nossa amizade, lhe peço: tenha calma. Relaxe. Só não goze. Deixe para depois, quando abrir o presente...
Larissa - Como calma? A propósito, acredita que já estou me coçando todinha? Daqui a pouco arranco os cabelos da bo... desculpa, da perereca. A bichinha parece em carne viva. Literalmente me pareço ardendo em fogo... desembucha, Carla... o que foi que me mandou? Um bombeiro com a mangueira pronta para espirrar água?
Carla – Paciência Larissa. Nada de bombeiro. Que barbaridade! Bombeiro com mangueira?! Kikikikikiki... Só você pra me fazer rir...
Larissa - Pera ai amiga. Me dá um segundo.
6.
Carla - O que aconteceu?
Larissa - A coceira... estou toda empolada... ai...!!!!
Carla - Fique calma. Respire fundo. Toma um copo de água com açúcar.
Larissa - Vai catar coquinho. Estou calma. Eita nós! Que merda!
Carla - O que desta vez?
Larissa - A portaria resolveu me atazanar as ideias. Alguém interfonando... aguenta ai. Vou ver quem é.
7.
CINCO MINUTOS DEPOIS, LARISSA RETORNA. ESTÁ EUFÓRICA. BERRA:
8.
Larissa - Que coincidência! Se tivéssemos combinado, não teria dado certo. Ainda bem que você lembrou...
Carla – Do que eu lembrei, amiga?
Larissa – Do presente. Acredite ou não, acabou de chegar e acabei de receber.
Carla - Chegou amiga. Caraca!... Que ótimo. Coincidência mesmo. Fico felicíssima. Confesso que estava deveres preocupada.
Larissa - Seu Aleksander, aqui do condomínio acabou de me entregar. Obrigada. Nossa, que legal. Fiquei feliz, apesar da coceira... uauuuu... pelo tamanho da embalagem...
Carla - Abra logo. O que está esperando, mulher?
Larissa – Ai!!!... - Mmmmmm... não consigo me conter... essa droga de comichão... me sufoca... estou sem ar... deixarei pra desembrulhar mais tarde. A coceira, amiga, a droga da coceira aumentou demais... foi a ansiedade... Carla, você me deixou agoniada. Acho que vou... acho que vou...
9.
HÁ UM CLIC MOMENTÂNEO. LARISSA SIMPLESMENTE DESLIGA. CARLA FICA APAVORADA. AINDA COM O TELEFONE NO OUVIDO, TENTA CONTACTAR COM A AMIGA. DISCA E REDISCA, DESESPERADAMENTE. VÁRIAS VEZES. O APARELHO DE LARISSA ATENDE. TODAVIA, A CRIATURA NÃO FALA. O SILÊNCIO É TOTAL. CARLA INSISTE:
10.
Carla - Alô... alô... Larissaaaaaa... alôaaaaaa...!!! Filha de uma égua. Era só o que me faltava. Mal agradecida. Larissaaaaaa... Desligou de novo na minha cara!
(*) A.parecido Raimundo de Souza, 64 anos, é jornalista. Postado aqui no “Recanto das Letras” por Carina Bratt, secretária e assessora de imprensa do autor