Solidão e Mente Povoada

 
Em época de intensa conectividade social a palavra solidão é completamente estranha e soa bizarra. Estamos conectados com todos em todo o planeta – para a frustração dos lunáticos da década de 60 que esperava se conectar  aos extraterrestres até o final daquele milênio e isto não aconteceu e só foi mesmo um devaneio.
 
Vive-se uma conexão solitária porque, se nós nos ligamos ao outro que está longe, desconectamos com a realidade próxima. Podemos dizer hiperbolicamente que o computador nos engoliu. Sei que meu amigo virtual cronista que lê meus textos também lá em Recife aprecia um radinho de pilha em seus momentos de solidão, escreve religiosamente todos os dias no Recanto e sofre de asma. Ele sabe que sou professor aposentado, publico uma crônica por final de semana, e como pão-de-queijo com leite... Mas eu não conheço o vizinho que mudou para a casa ao lado da minha e que há seis meses ouço em minha área de serviço ele reclamar de dores, tossir quando esfria, pede suas refeições no quarto por estar – faço esta inferência – acamado com doença crônica. Este é o pós-moderno: conectamo-nos a toda sorte de sítios eletrônicos povoando assim nosso dia e afastamos de todos de nosso sítio comunitário próximo.
 
Vamos dizer que quem escreve se isola para produzir. E é esta ideia que o memorialista Pedro Nava defende. Ele a expressa quando parte em defesa de Carlos Drummond de Andrade chamado de esquisitão por gostar de se isolar. O juiz-forano escreve assim sobre o itabirense: “É injusto considerar também o nosso poeta como esquisitão, misantropo e ensimesmado. Nada disto. ele é apenas um homem que sabe defender duas coisas que são só dele e de que ninguém pode participar e dividir com ele. O seu tempo. O seu direito à solidão. (...) O tempo disponibilizado de Drummond é sua prosa servida na mais rara forma três vezes por semana nas crônicas de jornal... O tempo de Drummond é para a elaboração subconsciente, depois onírica e finalmente cristalizada na forma de verso – desta coisa em que ele é o melhor da nossa língua – a POESIA... Sua poesia pode assim vir a ser a entrevista que ele nega, a intimidade de que ele se foge, o abraço ante o que sua timidez leva a que ele se encolha...”
 
Pedro Nava  é transcrito por sua biógrafa que escreveu o polêmico livro que inspirou este texto: “A Solidão Povoada”. A autora afirma que o médico e escritor sofria/gozava de terrível solidão que era preenchida pela escrita de sua  memória, que originou os seus seis livro que o tornou célebre, sua pintura, sua poesia e outras manifestações artísticas.
 
Talvez a solidão de mineiro seja consequência de morarmos nas serras, temos o horizonte contornado por seus limites  e vemos somente acima estrelas e a Lua. Por isto somos Escritores, escreventes, escriturários e meros escrevinhadores. É como poetei externando nossa frustração:

 
 
Frustração
 

 
Nós,
os mineiros, moramos nas serras
e contemplamos a Lua.

Sonhamos mesmo é com o mar.

 


Leonardo Lisbôa
Barbacena, 29/03/2017.
   
 
 

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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 01/04/2017
Reeditado em 01/04/2017
Código do texto: T5958323
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