O FUTURO PSICÓLOGO

Cambaleante e imitando um bêbado o rapaz pediu para sentar à minha mesa e perguntou se eu lhe pagava uma pinga. Não o conhecia, mas o cara era engraçado e lhe respondi que lhe pagaria uma carne de sol com mandioca, para lhe dar sustância pois que sucumbiria só com pinga... Levou na brincadeira, aceitou e lhe ofereci um copo de cerveja. Perguntou, e estranhei, se eu era viado. Antes de lhe responder que não fazia parte de sua turma ele me confidenciou que hoje em dia homem não nasce homem e mulher não nasce mulher, mas que viado nasce viado. Ri e disse que esta era velha, para ele me contar outra. O dono do bar, por trás do balcão fez-me gestos de que o garoto não batia bem da bola, mas que era inofensivo. Tomou um gole da cerveja e continuou: uma amigo meu, que gosta muito de mulher, inventou de entrar para o convento. Disse para a superiora que era transgênico e que iria fazer um escarcéu caso ele não fosse admitido na ordem, e por sinal, se ela não sabia que todas as instituições de ensino, incluindo as formadoras de religiosos e religiosas eram obrigadas a admitir uma cota de transgêneros assim como de outras raças e etnias, e não só das caucasianas... Vi que o rapaz além de um humorista tinha uma certa ilustração. Deixei que continuasse, já que estava a querer contar estória. A madre superiora, sem saber o que fazer, com medo de ser advertida por não corresponder ao politicamente correto e para não demonstrar falta de conhecimento do atual bom proceder, últimos regulamentos e códigos de condutas, aceitou o falso transgênero no convento e solicitou à algumas noviças que o acompanhassem para conhecer os ambientes principais do educandário. Fiz que acreditei, tá bom! toma aí mais uma cerveja e não esqueça de comer... Ele continuou: a madre foi consultar o padre, que consultou o presbítero, que consultou o bispo, que consultou o arcebispo, que consultou o primaz, que consultou o patriarca que por sua vez consultou o cardeal, que ficou sem saber se consultaria o papa. Concluiu dizendo que o seu amigo passou o dia dentro do convento passeando com lindas noviças e que no final da tarde, se despediu dizendo estar convencido de que ali não era o seu lugar e que iria casar com um príncipe encantado e ter muitos filhos. As futuras esposas de Cristo ficaram atordoadas, sem entender, aliás não estavam entendendo desde o começo. Olhou para mim e viu que eu não estava nem aí para sua destramelada estória. Tenho que ir, obrigado pela cerveja e tira-gosto. Não tem de que, respondi. Antes de levantar, ele disse: inventei esta estória agora para você ver como é um absurdo este tal do politicamente correto, imagine um travesti querer estudar em convento e um sapatão querer estudar em seminário, e se for rejeitado receberá indenização e entrará por liminar, já que o juízo fugiu dos tribunais há tempos. A continuar assim veremos transgêneros a entrar em times esportivos pelo seu sexo psicológico, como o "físico mulher" e o "psicológico homem" num time só de homens e o contrário também, como em um time só de mulheres. Tudo dentro do politicamente correto. Sem querer estimular a conversa, já que estava a se despedir, perguntei-lhe se ele não estava confundindo transgênero com transexual? Bingo, foi a resposta! Nenhum, nem outro, mas os dois e eu já me vou. Empinou o copo, acabou com a cerveja, agradeceu e disse que o meu comentário seria conversa de outro dia. Cascou fora.

Pedi mais uma cerveja e o garçom veio rindo, disse que o jovem era vizinho de quarteirão, estudante de psicologia e fazia isso com os clientes, ora com um ora com outro e variava os temas. Dizia que fazia laboratório. Sei. Tomou cerveja e comeu às minhas custas o futuro psicólogo. Senti-me como cobaia de seu laboratório. E o garçom e o dono do bar, cúmplices do doutorzinho, a rirem de mim. Mas valeu, pelo menos conheci um jovem pensante.

Armand de Saint Igarapery - publicações no Face e no Recanto das Letras