OS DESAJUSTES DE CADA UM
Hoje, comprando um vestido, que certamente passará por ajustes, vesti-me antes de recordações da minha infância, do tempo em que eu não podia escolher a roupa, o sapato, menos ainda a comida.
Dessas recordações, veio-me o sapato que usei nos meus quinze anos. Não tive festa, mas vesti um longo branco, pus sapatos na mesma cor e fiz fotos pra guardar de lembrança. (Como na época não tínhamos máquina fotográfica, nem câmera de celular, era preciso ir à casa do fotógrafo).
As condições financeiras de casa permitiam uma ou duas fotos, acrescida de uma extra para tia Rosita, que pagava por ela. Todo evento da família tinha que ter a foto da tia, ela sempre se responsabilizando pelos custos.
Eu olho aquela foto revelando um sapato com espaços laterais, porque o calçado não se ajustava ao tamanho do meu pé, e uma mistura de sentimentos me tomam. Há, no fundo do meu ser, uma pontinha de tristeza, claro, mas, sobrepondo-se a este, há o sentimento de gratidão. Muita gratidão! Porque aquele sapato feio, grande, que não ficou bem em mim, foi o que minha mãe conseguiu comprar com o dinheiro que tinha. Apesar da penúria, ninguém era esquecido, havia amor implícito naquele gesto de minha mãe, de “me aprontar para o retrato dos 15 anos”.
E por isso essa foto tem um valor imensurável pra mim. Ela é mais do que uma imagem. Ela conta uma história difícil, de pobreza e de sacrifício. E por essa razão eu sempre vou ser grata a meus pais que, apesar dos infortúnios, ensinaram-me a ser gente. Graças a eles, meus irmãos e eu tivemos uma educação baseada em valores humanos como honestidade, humildade, caráter e força interior.
Ninguém se desviou do caminho do bem por falta de roupas caras ou comidas sofisticadas e, de forma insistente, atribuo o que sou ao cuidado dos meus pais e ao que me ensinaram.