Cicatrizes

Quando tinha cinco anos rolei a escada e parei de queixo no chão, nunca tinha visto tanto sangue na vida, e era meu sangue resultado, cinco pontos no queixo.

Vinte anos se passaram e toda vez que olho no espelho ela está lá, a cicatriz, uma das únicas que tenho, minúscula, quase imperceptível aos mais desatentos.

Quando tinha seis anos fiquei esperando meu pai até tarde da noite, ele chegou e mal olhou na minha cara, comecei a chorar dizendo que eu não queria ter um pai daquele jeito, e ele respondeu que também não queria ter uma filha como eu. Aquilo doeu mais do que qualquer tapa que ele pudesse me dar.

Por que estou dizendo isso?

Todos passamos por muitas situações difíceis na vida, a gente sofre com outro, pelo outro. Ama sem ser amado. Se machuca, decepciona. Isso tudo não passa em vão, gera marcas assim como minha cicatriz no queixo.

Mas o tempo é um cara muito sábio mesmo, ele passa.

Hoje minha cicatriz não dói, mas ela está aqui pra me lembrar que um dia rolei a escada.

Lembro de tudo que meu pai me falou, mas sem um pingo de mágoa ou raiva. É só uma lembrança chata.

Lembrança é um troço que a gente não controla. Muitas vezes elas fazem o oposto de nossa vontade.

Lembramos o que queremos esquecer e esquecemos o que queremos lembrar.

Mas não tem jeito.

Hoje, aquela dor já não dói, ou não dói daquele jeito.

As coisas ruins na nossa vida são cicatrizes que ficam pra sempre, mas não nos machucam mais, são apenas lembranças de que estamos vivos, apesar de tudo.

Tamiris Pires
Enviado por Tamiris Pires em 31/03/2017
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