POPOPOPO QUE ECOA ATÉ HOJE
No final de 1964 papai reuniu-nos e disse que iriamos nos mudar. Passaríamos a residir num sítio, com mata, água corrente, pássaros silvestres e espaço para plantar hortaliças. Olhou-me dedicando especial atenção, dando conta que eu poderia brincar num riacho de areia quase branca e com alguns peixinhos.
O dia escolhido para a mudança foi 29 de janeiro de 1965, parece-me que uma sexta-feira.
Desde cedo aprontamos as trouxas, pois a chegada do caminhão estava prevista para as 10 horas da manhã.
Bateram 10 horas, meio dia e sem ter como cozinhar, comemos sanduíches de pão com mortadela e café preto.
O caminhão encostou na frente da casa lá pelas três da tarde. Era um enorme caminhão, a cabine tinha 11 acentos. Nossos pertences não ocuparam mais do que uma quinta parte da carroceria. A mobília era minguada, duas mesas, oito cadeiras, dois guarda-roupas, dois armários, quatro camas com colchões de crina vegetal, um fogão a lenha, um paneleiro de ferro, um rádio e outras miudezas.
O motorista e os três ajudantes tinham decidido inverter a ordem das duas mudanças previstas para fazer naquele dia.
Chegamos no destino no final da tarde, rapidamente eles descarregaram a mobília e jogaram nossas trouxas na grama junto ao portão.
Na partida o caminhão seguiu em frente procurando um local para manobrar. Era um caminhão todo feito de aço, utilizado pelo departamento de habitação do município, que havia sido cedido, embora cedido, parecia que estavam fazendo favor.
Concluída a manobra ele retornou passando na frente de casa, com os faróis enormes acesos, como se debochasse da nossa desgraça, pois somente naquele momento, quando a noite havia caído, percebemos que na casa não havia luz elétrica.
Embalado para subir a lomba ele passou com o ruído do motor ensurdecendo-nos, num Popopopo sem perder o fôlego, parecendo os motores dos ônibus da Alfa Romeu.
Lentamente o ruído foi distanciando-se até desaparecer e dar lugar para um silêncio ensurdecedor, que chegava a doer nossos ouvidos.
A Lua cheia já alta, ajudava-nos nas tarefas de acomodar as trouxas dentro de casa.
Aos poucos fomos nos acostumando e logo já conseguíamos ouvir e até imaginar a distância da cachorrada latindo pela noite toda.
No dia seguinte, cedo o Sol invadiu a pequena casa, por algumas frestas
criadas nas rachaduras das tábuas de pinheiro, assim pondo-nos a correr da cama.
As poucas casas da rua ficavam distantes, mas dava para pressentir a vizinhança nos espiando.
Moramos ali até a passagem de ano.