Copenhague Zero Grau - Pornogeografia
Há dez anos, talvez isto aqui fosse o centro de Copenhague, pelo menos para os turistas. Copenhague, para muitos, ainda hoje, continua sendo sinônimo de pornografia. Outros também a relacionam com certa casa de chocolate, que, por sinal, nunca encontram por aqui. A cidade é muito mais que isso, o país também.
Estamos em plena região da pesada, a mal afamada Vesterbrogade. Se bem que aqui não se pode medir a coisa nos mesmos padrões brasileiros, porque, na verdade, não existe uma linha bem definida entre a parte boêmia e a parte da gente séria. Pode-se topar com criança a caminho da escola, e os moradores podem não ter relação nenhuma com o que se faz pela área, cuja artéria principal se denomina Istedgade. Ela é o chamarisco dos folhetos para turistas, ponto obrigatório de grupos japoneses, por exemplo. Em volta dela, espalham-se quarteirões sujos, ruas malcheirosas, mesmo deprimentes em oposição à limpeza e higiene de outras partes da cidade.
À porta de edifícios mal conservados, bêbados de bico de garrafa gastam a saúde e seu salário-desemprego numa via sacra de muitas quedas, de bodega em bodega, que é como chamam os botecos por aqui. Narcômanos se encontram e se confraternizam, se reconhecendo pela identidade dos olhos mortos. Poucas prostitutas, com jeito, respeito, sem escândalo e com pouco sucesso, andam a cata de algum turista solitário.
As lojas de pornografia eram muitas há anos atrás, se pode adivinhar pelos anúncios apagados e das muitas portas cerradas. As poucas que restaram são, na maioria, lojas grandes e bem fornidas. Esta aqui, por exemplo. Que beleza, a parte literária!!! Tudo bem dividido, homossexualismo masculino e feminino aqui, mais adiante o chamado sexo bizarro e suas variedades, como o animal e as diversas linhas do sadomasoquismo. A seção de apetrechos nada deixa a desejar. Vibradores de todo tipo, contraceptivos de borracha em toda cor, relevo e formato. No entanto, a grande novidade é a já apelidada mulher-de-marinheiro, boneca de plástico em tamanho natural, dotada de todas as facilidades anatômicas. Basta inflá-la, o milagre está feito, criou-se a companheira que nunca diz não. Com isso, acaba-se a visita, nem é preciso ver aquela prateleira de lá, cheia de cogumelos cor-de-rosa. Ou será que representam outra coisa?
O negócio da pornografia anda decadente por estas bandas. O dinamarquês mesmo nem sabe o que é um filme desse tipo. Se comparado com Hamburgo, por exemplo, o comércio pornográfico de Copenhague não representa nada. Daqui se esparramou pelo mundo, fez fama e deitou na cama. Por isso mesmo é que esse comércio não se manteve aqui, pois a liberdade individual e a educação sexual desde a infância, com a quebra de barreiras desde cedo entre homens e mulheres, sexo não se compra nas lojas nem se aluga nos bordéis. Está incorporado à vida do povo, que nem o verde dos parques, que nem o branco da neve. Será artigo de exportação, enquanto o mundo não tiver aprendido algumas lições com os escandinavos.
(Copenhague, Dinamarca, 01/08/1979)