Preconceito linguístico
Se o leitor julga o português uma língua muito difícil e está desistindo de aprendê-la achando melhor dedicar seu tempo ao inglês, saiba que isso é preconceito linguístico. Provavelmente, para o leitor a língua é a gramática escolar, e por isso as coisas se complicam, pois as regras ensinadas costumam se aplicar ao português lusitano. Que problemão!
Se o leitor acha que certas regiões do Brasil falam melhor o português do que outras, isso é também preconceito linguístico. O português do Brasil são vários, e cada região fala segundo suas peculiaridades, não cabendo qualquer juízo de valor quanto a essas variações. Só mesmo uma visão preconceituosa contra os nordestinos levaria ao julgamento de que a variedade linguística deles é inferior à dos sudestinos, por exemplo.
Se o leitor acha que em Portugal se fala um português melhor do que no Brasil, isso é, de novo, preconceito linguístico. “Estou a pensar”, diz o lusitano. “Estou pensando”, diz o brasileiro. Qual fala melhor o português? Ambos se expressam muito bem segundo as peculiaridades linguísticas de seus países.
Se o leitor já leu a obra Preconceito linguístico, de Marcos Bagno, certamente notou que as observações feitas acima se baseiam nesse estudioso, cuja leitura é muito proveitosa.
O referido linguista aborda muitas outras facetas do preconceito linguístico como a falsa ideia de que as pessoas sem instrução falam uma língua que não tem gramática.
Aborda, também, a questão do ensino gramatical e da norma culta, a seu ver uma norma distante da realidade linguística, pois os autores insistem em registrar regras portuguesas e não brasileiras. Cito um exemplo. O brasileiro diz “Me fala”; o português diz “Fala-me”. Nossas gramáticas, ainda refletindo uma mentalidade colonial, recomendam a forma lusitana. Uma profunda dissintonia! O que fazer? Abandonar os estudos gramaticais na sala de aula?
Entre os autores citados em Preconceito linguístico, há quem defenda que não se ensine gramática na escola, o que – sabemos – não é endossado por outros especialistas. Não há dúvida, contudo, de que as questões presentes na obra levam mestres e alunos a uma leitura mais questionadora das gramáticas disponíveis. Mais questionadora, sim, mas não há de ser preconceituosa a ponto de negar-lhes um importante papel na descrição do idioma.
Texto publicado orginalmente no jornal JF Hoje.